“Meu Nome era Eileen” constrói sua tensão a partir de uma rotina que se esgarça lentamente, como se cada gesto repetido carregasse uma promessa de ruptura ainda não formulada. Eileen, interpretada por Thomasin McKenzie, trabalha como secretária em um centro de detenção juvenil e tenta atravessar os dias com uma contenção quase mecânica, enquanto convive com um pai alcoólatra que alterna irritação, apatia e um senso de derrota que contamina a casa inteira. Essa convivência deteriorada, mais do que qualquer componente externo, funciona como a principal moldura emocional da personagem: é nela que se articulam seus impulsos, sua inquietação e seu desejo difuso de transformação. A aparente estabilidade desse cotidiano se mantém até o surgimento de Rebecca, vivida por Anne Hathaway, psicóloga recém-chegada que altera a dinâmica silenciosa do lugar.
A presença de Rebecca é construída não como um contraste óbvio, mas como um catalisador de algo que já existia, embora em estado latente. Eileen, que observa os outros com um misto de curiosidade e distanciamento, encontra nessa mulher elegante e intelectualmente segura uma espécie de provocação moral. As conversas entre elas começam com cordialidade, avançam para um interesse mútuo e, aos poucos, instalam uma zona cinzenta na qual admiração, desejo e manipulação se confundem. Esse terreno ambíguo torna a relação mais complexa do que um simples jogo de sedução; trata-se de uma aproximação que revela vulnerabilidades das duas, mas que também evidencia as assimetrias que conduzirão o restante da narrativa.
O filme conduz esse desenvolvimento com um ritmo calculado, deixando que cada mudança de comportamento seja percebida antes de ser justificada. É nesse ponto que o caso do jovem detento acusado de matar o pai adquire relevância. Rebecca apresenta a história como quem abre uma porta apenas o suficiente para que a outra pessoa se sinta compelida a atravessá-la. Eileen, já imersa em fantasias de fuga e violência, enxerga na confissão parcial da psicóloga a possibilidade de participar de algo que ultrapassa a monotonia que tanto a sufoca. O interesse dela pelo crime não é motivado por uma busca por justiça, mas por uma necessidade de reposicionar a própria identidade, de experimentar um papel que não lhe fora oferecido até então.
Essa virada é decisiva para o último terço do filme, momento em que a narrativa abandona o caminho insinuado desde o início. A mudança é brusca, quase abrupta, e revela uma estrutura que tenta compensar a lentidão inicial com um acúmulo de eventos que, embora impactantes, carecem de articulação mais orgânica com o que vinha sendo construído. O envolvimento de Rebecca no caso do detento amplia o escopo narrativo, mas também enfraquece parte do que havia de mais sólido: a progressiva alteração do olhar de Eileen sobre si mesma e sobre o mundo. Quando a história assume um tom mais explícito, as nuances que davam forma ao filme se dispersam.
Ainda assim, é inegável que o encontro entre McKenzie e Hathaway sustenta grande parte da força dramática. A primeira compõe uma jovem que internaliza conflitos sem transformá-los em gestos grandiosos; a segunda opera com precisão nos pequenos deslocamentos de humor que tornam sua personagem indecifrável até quando se aproxima afetivamente. O contraste entre elas dá ao filme a densidade que o roteiro nem sempre oferece. Essa dinâmica é reforçada pelo cuidado visual, que reproduz uma atmosfera inspirada nos anos 60, não como adorno, mas como extensão das tensões internas das personagens.
O desfecho, planejado para chocar, entrega impacto, mas deixa rastros de incompletude que dificultam a compreensão plena das motivações envolvidas. Em vez de um fechamento que reordena o conjunto, opta-se por uma conclusão que interrompe mais do que esclarece. Talvez seja justamente essa interrupção que ofereça um ponto de reflexão: a transformação de Eileen, ainda que parcial, não se resolve em uma trajetória conclusiva, mas revela o limite de alguém que tentou reinventar a própria vida num contexto hostil e encontrou no descontrole alheio uma forma de se reconhecer. Essa ambiguidade, mesmo que não totalmente planejada, acaba sendo o elemento que persiste após a projeção.
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