O retrato mais honesto do amor adulto que o cinema italiano já fez agora na Netflix Divulgação / Fandango

O retrato mais honesto do amor adulto que o cinema italiano já fez agora na Netflix

O homem só pode ser feliz se tiver condições de buscar a felicidade. Todo indivíduo deve ter o sagrado direito de correr mundo até realizar todas as suas aspirações, das mais básicas às que o restante da humanidade julga mero capricho, mera demonstração pueril de frustrações recalcadas pelo tempo, sonho dourado de que lança mão de quando em quando a fim de justificar novos fracassos e protelar o sucesso a que poderia chegar por outros meios. Lírico e um tanto elementar à primeira vista, esse raciocínio esconde lacunas perigosas, que podem legitimar comportamentos irresponsáveis e uma cornucópia de atos levianos que destroem aqueles que nem tinham conseguido entrar na história. Gabriele Muccino descortina com a dose certa de leveza esse bem-estar ubíquo e compulsório em “O Último Beijo”, uma trama bem-humorada sobre assuntos muito sérios. Muccino joga luz na sombra da tragédia que habita toda relação amorosa, valendo-se de casais jovens e experientes, cada qual em sua luta para saber se o amor continua mesmo uma força da natureza. Mas esse enigma não é tão simples de ser decifrado.

As inseguranças, as dúvidas, as frustrações e, claro, o autoengano empobrecem namoros, noivados e casamentos, que viram promessas que jamais se concretizam. Projetos que teriam de ser dos dois acumulam-se, à espera de um momento ideal que o tempo não revela. Sentir-se culpado, insatisfeito, inútil, perseguindo debalde a vida a que pensa ter direito é um estado de espírito que tortura Carlo, o jovem protagonista do longa. Completados seus 29 anos, ele começa a supor que talvez precise voltar às aspirações de um passado nem tão distante, começando por repensar seu compromisso com Giulia, namorada que pode tornar-se sua esposa quase num golpe traiçoeiro do destino, no qual não tem participação alguma. Muccino pincela tintas melodramáticas num elã eminentemente cômico nessa introdução festiva, ruidosa, preenchida com a sequência de um animado casório, um truque eficaz quanto a disfarçar a violência do que vai suceder algum tempo depois.

Se o mundo fosse um imenso campo onde só florescesse o bom, o belo e o justo, ou ao menos um lugarzinho cada vez mais abafado no qual todos soubessem de suas obrigações e colocassem-nas em prática, sem esperar nada de ninguém, talvez Carlo não pudesse existir. Ele foge de seu futuro com Giulia, mas foge antes de mais nada de si próprio, argumento que o diretor-roteirista sublinha aos poucos, mirando, acertadamente, no núcleo mais moço. Stefano Accorsi, Giovanna Mezzogiorno e Martina Stella movimentam o eixo da narrativa sem esforço, incluindo o vasto elenco de modo orgânico e sem espalhafato, batendo na tecla da juventude como uma bênção e um castigo. Nesse ponto, Muccino teve muito mais êxito que no unidimensional “À Procura da Felicidade“ (2006) com que tornou-se famoso em Hollywood. “O Último Beijo” é um filme bem mais rico, e precisa ser redescoberto.

Filme: O Último Beijo
Diretor: Gabriele Muccino 
Ano: 2001
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.