Billy Crystal e Robert De Niro entregam o tipo de comédia no Prime Video que salva qualquer semana difícil Divulgação / Warner Bros.

Billy Crystal e Robert De Niro entregam o tipo de comédia no Prime Video que salva qualquer semana difícil

A combinação entre humor e crime sempre rendeu experiências desiguais no cinema comercial, muitas vezes inclinadas ao exagero gratuito ou a um sentimentalismo deslocado. “Máfia no Divã” evita esses atalhos fáceis ao construir um encontro inesperado entre dois mundos que, apesar de opostos na superfície, compartilham a mesma necessidade de controle: o consultório analítico de Ben Sobol, vivido por Billy Crystal, e o universo hierarquizado do crime organizado comandado por Paul Vitti, interpretado por Robert De Niro. A ironia desse choque inicial não depende de acrobacias narrativas; ela nasce do desconforto legítimo de um terapeuta acostumado ao sofrimento ordinário sendo submetido à brutalidade emocional de um homem que não sabe nomear seus próprios impulsos. Tudo começa quando Jelly, papel de Joe Viterelli, colide com o carro de Sobol e abre a porta para um pedido de ajuda que nenhum profissional sensato aceitaria de bom grado.

O interesse central do filme está no progressivo colapso de Vitti. A figura temida pelos rivais é, na intimidade, um sujeito que não consegue lidar com crises de pânico, explosões emocionais e episódios de vulnerabilidade que ameaçam sua autoridade às vésperas de uma reunião decisiva entre os líderes mafiosos. De Niro se apoia nessa contradição para construir um personagem que oscila entre o impulso violento e a necessidade quase infantil de ser tranquilizado, e essa oscilação se torna o motor dramático do enredo. Ben Sobol, por sua vez, tenta equilibrar a vida doméstica com Laura MacNamara, a noiva interpretada por Lisa Kudrow, enquanto se vê pressionado a tratar um paciente que rompe todos os limites éticos imagináveis. A dupla se estabelece não por uma afinidade, mas por coerção, e essa coerção produz uma dinâmica narrativa eficiente e pragmática.

O roteiro investe em sessões de terapia que funcionam como arenas de disputa. Paul chega ao consultório como se estivesse impondo domínio sobre um território, mas conforme a narrativa avança, torna-se evidente que esse simulacro de poder não resiste quando confrontado com lembranças do pai, com a sensação persistente de fracasso e com a percepção de que sua identidade depende do medo dos outros. Sobol tenta manter a postura profissional, embora a própria história familiar do terapeuta seja citada de modo insuficiente e jamais receba desenvolvimento posterior. É um ponto que poderia ampliar a simetria entre os dois homens, mas acaba sendo abandonado sem impacto real.

Lisa Kudrow tem presença funcional, ainda que sua personagem careça de conflitos próprios. A relação com Sobol parece existir apenas como um lembrete de que o protagonista, apesar de cercado por criminosos, tenta preservar alguma normalidade. Joe Viterelli, como Jelly, contribui com a dose certa de desajeito, reforçando a atmosfera de ameaça cômica que permeia cada cena entre ele, o terapeuta e Vitti. A força do filme está nas interações entre Crystal e De Niro, que desenvolvem um ritmo preciso nas discussões, sobretudo quando Vitti tenta transformar a terapia em um instrumento para reorganizar sua vida criminal. A comicidade nasce da tentativa de racionalizar comportamentos que, no código interno da máfia, jamais seriam verbalizados.

Alguns elementos permanecem subexplorados, como a vida conjugal de Vitti ou as implicações éticas de um terapeuta envolvido, mesmo contra a vontade, na estratégia de um chefe mafioso. O filme prefere seguir adiante sem aprofundar questões laterais, concentrando-se na relação central e no impacto que ela produz. A narrativa também apresenta algumas piadas que se apoiam demais no contraste entre violência e neurose, mas a maioria delas encontra equilíbrio ao tratar a fragilidade emocional de Vitti com seriedade suficiente para evitar caricatura. Há ainda o esforço de construir a paisagem do crime nova-iorquino com atores que compreendem o tom específico exigido por esse tipo de história.

O resultado é uma mistura de comédia e crime que funciona graças ao rigor interpretativo dos protagonistas e ao modo como o filme organiza o conflito psicológico sem recorrer a sentimentalismos artificiais. Billy Crystal entrega um terapeuta dividido entre obrigação moral e instinto de autopreservação, enquanto De Niro alterna brutalidade e descontrole emocional em uma composição convincente. Ao optar por tratar crises de pânico, paranoia e insegurança como motores narrativos, “Máfia no Divã” evidencia que a fragilidade pode contaminar até as estruturas mais rígidas.

A lucidez não cura a violência de Vitti, e a terapia não transforma Sobol em um herói. O que resta é o registro de dois homens que, empurrados um para o outro por circunstâncias pouco prováveis, revelam que o esforço de manter uma vida funcional exige mais do que poder, medo ou análise. É nessa constatação, simples e incômoda, que o filme alcança sua força.

Filme: Máfia no Divã
Diretor: Harold Ramis
Ano: 1999
Gênero: Comédia/Crime
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.