“Guerreiras do K-Pop” abre com o trio Rumi, Mira e Zoey no auge da carreira, à frente do grupo Huntr/x, guiando plateias com coreografias sincronizadas e refrões planejados para ocupar arquibancadas. A rotina de ensaios, entrevistas e compromissos comerciais convive com outra frente de atuação: ao anoitecer, as três deixam o figurino de idol, empunham armas encantadas e usam a força do canto para bloquear demônios que tentam acessar o mundo humano. Desde cedo fica evidente que essa dupla jornada pressiona especialmente Rumi, cuja voz falha em momentos decisivos enquanto ela tenta ocultar um segredo ligado à origem do próprio poder.
Produzido pela Sony Pictures Animation e lançado pela Netflix, “Guerreiras do K-Pop” é um longa de animação musical de fantasia dirigido por Maggie Kang e Chris Appelhans. O elenco de vozes reúne Arden Cho, Ahn Hyo-seop, May Hong, Ji-young Yoo, Yunjin Kim, Daniel Dae Kim, Ken Jeong e Lee Byung-hun, reforçando a aproximação com o mercado coreano e asiático. A história foi concebida por Kang, que integra cultura pop e mitologia para compor esse universo em que idols atuam também como defensoras da cidade.
O conflito se intensifica quando Huntr/x tenta manter a liderança nas paradas enquanto enfrenta os Saja Boys, boy band que oculta identidade demoníaca. A disputa segue códigos conhecidos da indústria: campanhas de votação, narrativas de rivalidade estimuladas por equipes de marketing e apresentações planejadas para ampliar presença digital. Em paralelo, os Saja Boys servem a um inimigo antigo interessado na energia emocional das fãs, o que coloca o trio diante de batalhas que alternam bastidores, arenas e passagens subterrâneas. Essas duas dimensões do confronto organizam o eixo narrativo e ampliam a pressão sobre o grupo.
Rumi permanece no centro dessa tensão. O roteiro apresenta sua trajetória com indícios graduais: insegurança ao ensaiar notas altas, receio da reação familiar e preocupação constante com possíveis vazamentos. Mira assume papel de líder orientada por metas e contratos, cobrando disciplina para que o grupo não perca espaço no cenário pop. Zoey tenta conter conflitos internos e preservar o vínculo entre as três. A convivência de camarim, a escolha de figurinos e decisões tomadas antes de subir ao palco ajudam a desenhar relações que influenciam comportamentos em combate.
A animação adota desenho que combina exagero visual e clareza narrativa. Os personagens carregam traços inspirados em anime, com expressões amplificadas e variações que acompanham mudanças de clima. Nas cenas de apresentação, a equipe destaca luzes, reflexos e detalhes de figurino. Em confrontos, os contornos ficam mais rígidos e as sombras avançam para reforçar risco. Essa distinção facilita acompanhar avanços, recuos e posições no espaço.
Seul serve como base concreta para a fantasia. A cidade aparece com ruas comerciais, estações de metrô, pontes e praças reconhecíveis, ainda que iluminadas por cores intensas que remetem a shows de arena. Fãs formam filas, acompanham transmissões ao vivo e atualizam votações que influenciam rumos da carreira do trio. Ao situar combates em telhados, corredores e áreas de serviço, o filme reforça convivência entre cotidiano urbano e ameaça sobrenatural. A sobreposição de ambientes explica a urgência que move cada ação das protagonistas.
As músicas estruturam a narrativa. Canções de Huntr/x e dos Saja Boys acionam decisões, ampliam capacidades e registram desgaste ou cobrança. As letras mesclam coreano e inglês e tratam de ambição, lealdade e permanência sob atenção constante. Motivos repetidos amarram momentos importantes, criando continuidade auditiva que acompanha mudanças do grupo. A combinação de vozes, efeitos e coro de fãs forma textura que diferencia apresentações de cenas de combate, sem prejudicar a compreensão do que ocorre em cada instante.
As coreografias se interligam ao desenho de ação. Golpes seguem batidas, deslocamentos combinam com variações de compasso e a câmera alterna planos abertos e médios para manter noção de distância. Quando Huntr/x enfrenta grupos de demônios, a montagem evita cortes que embaralhem posições e preserva direção dos movimentos. Essa clareza permite entender como cada integrante responde a avanços, hesitações e contra-ataques.
A cultura de fãs ocupa papel central. Comentários de transmissões, painéis de likes e campanhas modificadas em tempo real mostram dependência da indústria em relação a métricas digitais. O público canta, levanta bastões de luz e gera energia que alimenta habilidades do trio. As protagonistas precisam lidar com treinamentos rígidos, exigências de empresários e risco de que qualquer detalhe pessoal se transforme em exposição capaz de afetar agenda e reputação. A tensão entre imagem pública e vida privada impulsiona escolhas que se refletem tanto em palco quanto em batalha.
Identidade funciona como linha de fundo constante. O segredo de Rumi aponta para a sensação de não se encaixar totalmente em nenhum espaço e para receio de rejeição quando parte da vida se torna visível. O enredo sugere histórico de tentativas de controle, seja por figuras familiares, seja pela própria lógica da indústria, que busca preservar modelo de perfeição. Essas pressões se manifestam em conversas rápidas, mudanças de expressão e momentos de silêncio que antecedem apresentações.
O humor equilibra a intensidade das ações. Piadas curtas, erros de figurino, mudanças bruscas de planejamento e interações com coadjuvantes humanos ou demoníacos aliviam a tensão sem comprometer a continuidade dramática. A alternância entre risco e cotidiano mantém ritmo estável, mostrando um grupo que precisa ajustar agenda profissional mesmo quando enfrenta perigo real.
Alguns trechos acumulam explicações sobre feitiços, linhagens e regras do Honmoon, prolongando o segundo ato e reduzindo fluidez das transições. Contudo, ao retornar a ensaios, apresentações e decisões tomadas nos bastidores, o filme recupera ritmo e reforça ligação direta entre trabalho e ameaça. Essa alternância revela como as protagonistas conciliam exigências de carreira com responsabilidades que extrapolam o palco.
Como animação musical de fantasia, “Guerreiras do K-Pop” apoia-se na energia de palco e no vínculo entre amigas para organizar a aventura. A combinação de ambiente urbano identificável, referências míticas e lógica da indústria pop compõe retrato de trabalho intenso e laços construídos sob pressão contínua. A última imagem mostra luzes de show misturadas ao brilho de portais, enquanto a plateia segue cantando e o trio se prepara para manter o ritmo sob holofotes que não diminuem.
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