Leonardo DiCaprio e Claire Danes estrelam uma das maiores histórias de amor já vistas no cinema. Agora na Netflix Divulgação / Twentieth Century Fox

Leonardo DiCaprio e Claire Danes estrelam uma das maiores histórias de amor já vistas no cinema. Agora na Netflix

Em uma cidade costeira dividida pela rivalidade entre duas famílias ricas, um encontro entre jovens herdeiros acende um romance em meio a uma guerra privada que já deixou mortos dos dois lados. “Romeu + Julieta”, dirigido por Baz Luhrmann e estrelado por Leonardo DiCaprio e Claire Danes, adapta a peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, mantendo o texto original em inglês e deslocando a ação para um cenário contemporâneo de arranha-céus, canais de televisão e pistolas cromadas. O conflito central permanece: dois adolescentes se apaixonam ao descobrir que pertencem a casas inimigas e passam a buscar brechas em um sistema que espera obediência e reforço da hostilidade.

O filme apresenta logo de saída o quadro de tensão com uma narração em formato de noticiário, que informa o histórico de enfrentamentos entre Montéquio e Capuleto. A partir daí, a narrativa se aproxima de Romeu, interpretado por Leonardo DiCaprio, um jovem que vaga pela praia e pela cidade com amigos, tentando escapar de brigas e da sensação de vazio. Ele participa de provocações de rua, mas demonstra cansaço com a repetição de insultos e ameaças. Do outro lado, Julieta, vivida por Claire Danes, é mostrada dentro da mansão dos Capuleto, cercada por cuidados da ama e pressionada pela família a aceitar planos de casamento que reforcem prestígio e alianças comerciais.

O primeiro grande deslocamento dramático ocorre quando Romeu decide ir a uma festa promovida pelos Capuleto, apesar das proibições, motivado inicialmente pela curiosidade e pela vontade de desafiar os limites impostos pelos sobrenomes. Nesse ambiente de máscaras e vigilância, os dois se veem pela primeira vez e reorientam seus objetivos. Romeu abandona a ideia de usar a festa apenas como ocasião de provocação e passa a querer manter contato com a desconhecida, sem saber ainda quem ela é. Julieta, ao perceber que o rapaz pertence à família rival, precisa decidir se recua por lealdade aos pais ou se insiste em conhecer melhor aquele intruso.

A descoberta da identidade de cada um funciona como virada de rota. O que poderia encerrar de imediato o romance se transforma em impulso para decisões mais arriscadas. Romeu busca aliados na própria família e entre pessoas de confiança, como Frei Laurence, vivido por Pete Postlethwaite, que enxerga na união dos jovens uma possível saída para a paz entre os clãs. A partir desse momento, o objetivo do casal passa a ser construir um espaço para o relacionamento em meio a ruas dominadas por seguranças armados, carros escoltados e encontros vigiados pela imprensa local. Cada avanço na relação exige contornar cercas, agendas e horários impostos pelos adultos.

Os obstáculos mais agressivos se concentram em figuras ligadas diretamente à honra dos Capuleto e dos Montéquio. Tybalt, interpretado por John Leguizamo, assume o papel de braço armado dos Capuleto. Ele vigia a presença de qualquer Montéquio em território da família e transforma provocações em motivo para confrontos que envolvem armas e perseguições. Entre os Montéquio, Mercúcio, vivido por Harold Perrineau, atua como amigo carismático de Romeu, o que o incentiva a frequentar festas e ruas em clima de desafio. Essa combinação de temperamentos torna as passagens pelos espaços públicos sempre carregadas de risco, pois qualquer encontro entre grupos rivais pode escalar em poucos segundos.

A cidade criada por Baz Luhrmann reforça esse clima de tensão constante. Prédios altos exibem anúncios luminosos de produtos associados às famílias, helicópteros da polícia acompanham conflitos, e viadutos e postos de gasolina servem de palco para confrontos em que insultos verbais se combinam com tiro e perseguição de carros. Essas escolhas visuais não apenas atualizam o ambiente da peça, mas introduzem novos elementos de pressão. Agora, cada briga repercute em jornal televisivo, aumenta a atenção das autoridades e reduz ainda mais o espaço para encontros discretos entre Romeu e Julieta.

A montagem trabalha com alternância marcada entre cenas de confronto e momentos íntimos. Nas brigas de rua, a câmera utiliza cortes rápidos, amplia detalhes de armas e expressões e acelera a sensação de caos, reforçando a impressão de que o controle pode se perder a qualquer instante. Nas sequências entre os protagonistas, o ritmo desacelera. A câmera se aproxima dos rostos, acompanha sussurros e movimentos contidos, destacando o esforço dos dois para manter um diálogo em meio a sons de sirenes, passos de funcionários e telefonemas que exigem respostas imediatas de adultos. Essa diferença de tempo interno sublinha a distância entre a urgência da violência pública e a tentativa de construir intimidade.

A manutenção do texto de Shakespeare em inglês cria uma camada adicional de contraste. Os personagens usam linguagem arcaica para discutir dilemas postos em cenários modernos, e isso faz com que declarações de amor, ameaças e apelos ganhem outro peso. DiCaprio interpreta Romeu como um jovem que oscila entre contemplação e impulsos bruscos, reagindo com intensidade a notícias que envolvem honra e perda. O espectador percebe a dificuldade do personagem em conciliar a vontade de romper com a lógica da violência e o reflexo condicionado que o leva a responder a provocações. Claire Danes confere a Julieta uma curva clara de amadurecimento. A menina protegida, quase sempre filmada dentro da casa ou em espaços controlados, passa a negociar com figuras de autoridade, tenta influenciar decisões sobre seu futuro e insiste em participar ativamente dos planos que dizem respeito à própria vida.

Os adultos funcionam como forças que estreitam o corredor por onde o casal tenta avançar. Os pais de Julieta tratam a filha como peça importante em estratégias de prestígio, convidam pretendentes e planejam associações com base em interesses de negócios. O pai de Romeu e outros homens dos Montéquio lidam com o conflito como disputa de reputação. Ninguém quer dar o primeiro passo em direção à trégua, porque isso significaria admitir fraqueza. A polícia, representada pelo Capitão Prince, tenta impor limites com avisos públicos e ameaças de punição, mas tem sua autoridade constantemente testada pela influência econômica dos dois clãs.

A estrutura da narrativa acompanha a escalada de decisões cada vez mais difíceis para o casal. Depois do encontro inicial e da descoberta da origem de cada um, o romance avança em encontros secretos em locais que parecem temporariamente neutros, como a igreja e a piscina da mansão. À medida que os confrontos entre familiares se intensificam nas ruas, Romeu e Julieta passam a elaborar planos que dependem de prazos exatos, mensageiros confiáveis e uma sequência de coincidências favoráveis. Cada nova ordem dos pais, cada duelo nas esquinas e cada intervenção da polícia reduz a margem de erro.

O ponto de maior tensão nasce desse acúmulo de pressões e de falhas de comunicação. Frei Laurence articula uma estratégia que busca conciliar o desejo dos jovens com a necessidade de evitar uma guerra aberta entre as casas, mas o plano depende de que cartas cheguem a tempo, de que recados sejam compreendidos literalmente e de que nenhum novo episódio de violência mude a disposição dos envolvidos. Romeu e Julieta se veem obrigados a tomar decisões rápidas, baseadas em informações incompletas, dentro de espaços cada vez mais fechados. A narrativa conduz o espectador até esse limite, em que a paixão que pretendia reparar uma história de ódio passa a carregar o peso de todas as escolhas tomadas por gerações anteriores.

Filme: Romeu + Julieta
Diretor: Baz Luhrmann
Ano: 1996
Gênero: Drama/Romance/Tragédia
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★