Em uma cidade costeira dividida pela rivalidade entre duas famílias ricas, um encontro entre jovens herdeiros acende um romance em meio a uma guerra privada que já deixou mortos dos dois lados. “Romeu + Julieta”, dirigido por Baz Luhrmann e estrelado por Leonardo DiCaprio e Claire Danes, adapta a peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, mantendo o texto original em inglês e deslocando a ação para um cenário contemporâneo de arranha-céus, canais de televisão e pistolas cromadas. O conflito central permanece: dois adolescentes se apaixonam ao descobrir que pertencem a casas inimigas e passam a buscar brechas em um sistema que espera obediência e reforço da hostilidade.
O filme apresenta logo de saída o quadro de tensão com uma narração em formato de noticiário, que informa o histórico de enfrentamentos entre Montéquio e Capuleto. A partir daí, a narrativa se aproxima de Romeu, interpretado por Leonardo DiCaprio, um jovem que vaga pela praia e pela cidade com amigos, tentando escapar de brigas e da sensação de vazio. Ele participa de provocações de rua, mas demonstra cansaço com a repetição de insultos e ameaças. Do outro lado, Julieta, vivida por Claire Danes, é mostrada dentro da mansão dos Capuleto, cercada por cuidados da ama e pressionada pela família a aceitar planos de casamento que reforcem prestígio e alianças comerciais.
O primeiro grande deslocamento dramático ocorre quando Romeu decide ir a uma festa promovida pelos Capuleto, apesar das proibições, motivado inicialmente pela curiosidade e pela vontade de desafiar os limites impostos pelos sobrenomes. Nesse ambiente de máscaras e vigilância, os dois se veem pela primeira vez e reorientam seus objetivos. Romeu abandona a ideia de usar a festa apenas como ocasião de provocação e passa a querer manter contato com a desconhecida, sem saber ainda quem ela é. Julieta, ao perceber que o rapaz pertence à família rival, precisa decidir se recua por lealdade aos pais ou se insiste em conhecer melhor aquele intruso.
A descoberta da identidade de cada um funciona como virada de rota. O que poderia encerrar de imediato o romance se transforma em impulso para decisões mais arriscadas. Romeu busca aliados na própria família e entre pessoas de confiança, como Frei Laurence, vivido por Pete Postlethwaite, que enxerga na união dos jovens uma possível saída para a paz entre os clãs. A partir desse momento, o objetivo do casal passa a ser construir um espaço para o relacionamento em meio a ruas dominadas por seguranças armados, carros escoltados e encontros vigiados pela imprensa local. Cada avanço na relação exige contornar cercas, agendas e horários impostos pelos adultos.
Os obstáculos mais agressivos se concentram em figuras ligadas diretamente à honra dos Capuleto e dos Montéquio. Tybalt, interpretado por John Leguizamo, assume o papel de braço armado dos Capuleto. Ele vigia a presença de qualquer Montéquio em território da família e transforma provocações em motivo para confrontos que envolvem armas e perseguições. Entre os Montéquio, Mercúcio, vivido por Harold Perrineau, atua como amigo carismático de Romeu, o que o incentiva a frequentar festas e ruas em clima de desafio. Essa combinação de temperamentos torna as passagens pelos espaços públicos sempre carregadas de risco, pois qualquer encontro entre grupos rivais pode escalar em poucos segundos.
A cidade criada por Baz Luhrmann reforça esse clima de tensão constante. Prédios altos exibem anúncios luminosos de produtos associados às famílias, helicópteros da polícia acompanham conflitos, e viadutos e postos de gasolina servem de palco para confrontos em que insultos verbais se combinam com tiro e perseguição de carros. Essas escolhas visuais não apenas atualizam o ambiente da peça, mas introduzem novos elementos de pressão. Agora, cada briga repercute em jornal televisivo, aumenta a atenção das autoridades e reduz ainda mais o espaço para encontros discretos entre Romeu e Julieta.
A montagem trabalha com alternância marcada entre cenas de confronto e momentos íntimos. Nas brigas de rua, a câmera utiliza cortes rápidos, amplia detalhes de armas e expressões e acelera a sensação de caos, reforçando a impressão de que o controle pode se perder a qualquer instante. Nas sequências entre os protagonistas, o ritmo desacelera. A câmera se aproxima dos rostos, acompanha sussurros e movimentos contidos, destacando o esforço dos dois para manter um diálogo em meio a sons de sirenes, passos de funcionários e telefonemas que exigem respostas imediatas de adultos. Essa diferença de tempo interno sublinha a distância entre a urgência da violência pública e a tentativa de construir intimidade.
A manutenção do texto de Shakespeare em inglês cria uma camada adicional de contraste. Os personagens usam linguagem arcaica para discutir dilemas postos em cenários modernos, e isso faz com que declarações de amor, ameaças e apelos ganhem outro peso. DiCaprio interpreta Romeu como um jovem que oscila entre contemplação e impulsos bruscos, reagindo com intensidade a notícias que envolvem honra e perda. O espectador percebe a dificuldade do personagem em conciliar a vontade de romper com a lógica da violência e o reflexo condicionado que o leva a responder a provocações. Claire Danes confere a Julieta uma curva clara de amadurecimento. A menina protegida, quase sempre filmada dentro da casa ou em espaços controlados, passa a negociar com figuras de autoridade, tenta influenciar decisões sobre seu futuro e insiste em participar ativamente dos planos que dizem respeito à própria vida.
Os adultos funcionam como forças que estreitam o corredor por onde o casal tenta avançar. Os pais de Julieta tratam a filha como peça importante em estratégias de prestígio, convidam pretendentes e planejam associações com base em interesses de negócios. O pai de Romeu e outros homens dos Montéquio lidam com o conflito como disputa de reputação. Ninguém quer dar o primeiro passo em direção à trégua, porque isso significaria admitir fraqueza. A polícia, representada pelo Capitão Prince, tenta impor limites com avisos públicos e ameaças de punição, mas tem sua autoridade constantemente testada pela influência econômica dos dois clãs.
A estrutura da narrativa acompanha a escalada de decisões cada vez mais difíceis para o casal. Depois do encontro inicial e da descoberta da origem de cada um, o romance avança em encontros secretos em locais que parecem temporariamente neutros, como a igreja e a piscina da mansão. À medida que os confrontos entre familiares se intensificam nas ruas, Romeu e Julieta passam a elaborar planos que dependem de prazos exatos, mensageiros confiáveis e uma sequência de coincidências favoráveis. Cada nova ordem dos pais, cada duelo nas esquinas e cada intervenção da polícia reduz a margem de erro.
O ponto de maior tensão nasce desse acúmulo de pressões e de falhas de comunicação. Frei Laurence articula uma estratégia que busca conciliar o desejo dos jovens com a necessidade de evitar uma guerra aberta entre as casas, mas o plano depende de que cartas cheguem a tempo, de que recados sejam compreendidos literalmente e de que nenhum novo episódio de violência mude a disposição dos envolvidos. Romeu e Julieta se veem obrigados a tomar decisões rápidas, baseadas em informações incompletas, dentro de espaços cada vez mais fechados. A narrativa conduz o espectador até esse limite, em que a paixão que pretendia reparar uma história de ódio passa a carregar o peso de todas as escolhas tomadas por gerações anteriores.
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