Robert De Niro em um dos papéis mais perturbadores da carreira: filme de Scorsese na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Robert De Niro em um dos papéis mais perturbadores da carreira: filme de Scorsese na Netflix

A primeira impressão ao revisitar “Cabo do Medo” é que a narrativa não tenta suavizar nada: o confronto entre Sam Bowden, interpretado por Nick Nolte, e Max Cady, vivido por Robert De Niro, se impõe de imediato como uma relação corroída por decisões jurídicas que se voltam contra quem acreditava ter controle sobre elas. Essa estrutura, construída a partir do retorno de um ex-presidiário decidido a retaliar o advogado que, segundo ele, o privou de uma defesa íntegra, funciona menos como um duelo clássico entre vítima e algoz e mais como um exame incômodo dos limites morais que regem quem deveria preservar a lei. A atmosfera tensa não se apoia em truques superficiais; ela cresce porque o antagonista conhece exatamente os mecanismos que o sistema oferece e os utiliza com precisão calculada.

A condução da história dá atenção especial ao cerco progressivo que Cady estabelece em torno da família Bowden. Leigh, interpretada por Jessica Lange, percebe cedo que a insistência do marido em tratar Cady como uma ameaça controlável revela a fragilidade das próprias escolhas de Sam. Já Danielle, vivida por Juliette Lewis, torna-se alvo de uma manipulação psicológica meticulosa: a jovem é abordada por Cady não com brutalidade imediata, mas com uma performance sedutora e repleta de ambiguidade, revelando o quanto ele explora fissuras internas para intensificar o desmoronamento da família. Essa infiltração emocional demonstra que o perigo não está apenas na força física do agressor, mas na maneira como ele interpreta cada fraqueza como oportunidade.

A escalada de tensão também passa por figuras secundárias que ampliam a complexidade do enredo. Joe Don Baker, como o investigador Kersek, introduz a possibilidade de uma resposta extralegal ao avanço de Cady, desmontando qualquer expectativa de que Sam possa resolver a situação com distanciamento ético. Esse movimento, em vez de fortalecer o protagonista, revela o tamanho do desespero ao qual ele foi reduzido. A partir desse ponto, as tentativas de contenção já não soam como estratégia, mas como reações tardias que evidenciam o quanto Cady estava sempre à frente. O poder de intimidação do antagonista não depende apenas de violência explícita: ele age como alguém que compreendeu profundamente a lógica de punição e redenção e a usa contra o próprio responsável por sua condenação.

A narrativa ganha intensidade à medida que o conflito atinge o limite físico e psicológico dos envolvidos. Sam, abalado pela culpa e pela consciência de que sua ação no passado não foi tão firme moralmente quanto desejaria, vê suas escolhas corroendo a autoridade que tenta manter diante da esposa e da filha. Cady, por outro lado, avança como presença inevitável, explorando cada brecha emocional com convicção quase ritual. O confronto final, ambientado no isolamento de um barco que se torna metáfora de desamparo absoluto, deixa claro que nenhum deles controla o rumo da situação; ali, a violência deixa de ser ameaça e assume forma concreta, obrigando cada personagem a enfrentar o que vinha sendo adiado desde o início.

O impacto do filme vem principalmente dessa recusa em oferecer conforto. “Cabo do Medo” coloca em primeiro plano o desgaste moral de um homem que tenta sustentar uma imagem de integridade enquanto convive com a sombra de uma decisão jurídica que se revelou insuficiente. Max Cady transita entre fanatismo, inteligência calculada e rancor acumulado, construindo um antagonista que coloca em xeque não apenas a segurança física da família Bowden, mas a ilusão de que a justiça funciona de forma previsível. Essa colisão entre aparências e consequências transforma o filme em algo maior que um relato de perseguição: ele projeta a pergunta incômoda sobre como cada indivíduo reage quando o passado retorna com força suficiente para desestruturar tudo o que parecia estável.

Filme: Cabo do Medo
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 1991
Gênero: Crime/Drama/Suspense
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.