A rotina de Loretta Castorini sempre funcionou como um pacto silencioso com a previsibilidade. Cher interpreta essa mulher que atravessa a vida com uma espécie de disciplina herdada, cercada por tradições familiares, pequenos rituais domésticos e um pragmatismo que ela mesma confunde com proteção. Quando decide aceitar o pedido de casamento de Johnny Cammareri, vivido por Danny Aiello, não o faz movida por paixão; faz porque acredita que, desta vez, seguindo cada etapa com precisão quase administrativa, evitará repetir o infortúnio do passado. A perda do primeiro marido a convenceu de que improvisos custam caro, e que amar sem garantias é uma forma de desordem que ela não pretende revisitar. É nessa lógica calculada que se instala o enredo de “O Feitiço da Lua”, um estudo sobre como mesmo as estruturas mais rígidas cedem diante do inesperado.
A mudança acontece quando Johnny viaja para a Itália para cuidar da mãe e entrega a Loretta a tarefa de convidar o irmão Ronny, interpretado por Nicolas Cage, para o casamento. A aproximação entre os dois não resulta de charme, sedução ou estratégia; ocorre porque Ronny vive em estado de intensidade constante, como se tudo ao redor pudesse ruir a qualquer instante. A relação perdida entre os irmãos, interrompida por ressentimentos antigos, dá a Loretta a falsa impressão de que conseguirá apenas cumprir a missão e voltar para sua rotina imutável. Mas o encontro foge ao controle: Ronny representa tudo aquilo que ela tenta evitar, alguém movido por impulsos e convicções que dispensam explicações. Ele carrega no corpo e na fala um tipo de energia que desmonta qualquer resistência racional, e a dinâmica entre os dois evolui numa velocidade que contraria a lógica que Loretta tenta preservar.
Enquanto isso, a casa dos Castorini funciona como uma espécie de laboratório íntimo sobre vínculos familiares. Rose Castorini, interpretada por Olympia Dukakis, observa o casamento alheio enquanto tenta compreender a lógica afetiva do próprio marido, Cosmo, vivido por Vincent Gardenia. A convivência dos dois evidencia uma relação desgastada, marcada por silêncios acumulados e desconfianças que nenhum dos dois admite em voz alta. Ao mesmo tempo, o avô, interpretado por Feodor Chaliapin Jr., atravessa a narrativa com uma melancolia discreta, acompanhada pelos cachorros que tratam sua solidão como rotina. A família inteira funciona como contraponto ao dilema de Loretta: cada um enfrenta a própria crise afetiva, mas nenhum deles sustenta a ilusão de que é possível organizar a vida apenas com regras.
À medida que Loretta e Ronny se envolvem, o filme conduz o espectador por esses conflitos paralelos sem dispersão. A racionalidade de Loretta começa a falhar diante da honestidade desarmada de Ronny, e a conexão que se forma entre eles expõe o desequilíbrio que sempre esteve escondido atrás da busca pela segurança. A narrativa avança mostrando como a protagonista tenta equilibrar o compromisso assumido com Johnny e o desejo inesperado que surge com Ronny. A sequência em que vão juntos à ópera sintetiza essa ruptura: Loretta percebe, ainda que não admita, que já não age mais pela lógica que estruturava sua vida. O contraste entre a grandiosidade da música e a simplicidade dos conflitos familiares aprofunda a sensação de que todos ali confrontam algo que tentaram adiar por anos.
“O Feitiço da Lua” funciona, assim, como uma narrativa que expõe o conflito entre segurança e desejo. O filme constrói seus personagens a partir de dilemas práticos, sem idealizações, concentrando-se nas escolhas que cada um é forçado a enfrentar quando percebe que a estabilidade pode ser apenas um modo de evitar perguntas incômodas. O que se vê é menos uma história de romances entrelaçados e mais um retrato direto do que acontece quando as convicções que sustentamos começam a falhar diante daquilo que não controlamos. É esse atrito, constante e inevitável, que torna o filme tão sólido em sua observação da vida comum.
★★★★★★★★★★


