O melhor filme de 2025 acaba de chegar à Netflix, com Joel Edgerton em uma atuação digna de Oscar Divulgação / Black Bear

O melhor filme de 2025 acaba de chegar à Netflix, com Joel Edgerton em uma atuação digna de Oscar

Um homem empregado em serviços pesados de derrubada de árvores e manutenção de linhas férreas tenta proteger a família enquanto o país muda em ritmo acelerado. Em “Sonhos de Trem”, Joel Edgerton interpreta Robert Grainier, trabalhador que atua como lenhador e ferroviário no início do século 20, entre florestas do Noroeste do Pacífico e pequenas localidades de Idaho. Felicity Jones vive Gladys, a esposa que espera o retorno do marido, enquanto Clifton Collins Jr., Kerry Condon e William H. Macy completam o núcleo central. Dirigido por Clint Bentley, a partir da novela “Sonhos de Trem”, de Denis Johnson, o filme acompanha cerca de quarenta anos dessa trajetória e concentra-se em como decisões tomadas por necessidade imediata cobram preço alto em lares frágeis.

O enredo vincula trabalho e risco desde as primeiras sequências. Robert participa de equipes que derrubam árvores em encostas íngremes, acompanham o avanço dos trilhos e cuidam da manutenção das ferrovias, sempre em áreas sujeitas a desmoronamentos e acidentes com explosivos. A narrativa define rapidamente seu primeiro objetivo: juntar dinheiro suficiente para consolidar um lar, erguer uma casa própria e afastar a esposa e a filha de alojamentos improvisados. Cada novo serviço significa um avanço concreto nesse plano, expresso em pequenos investimentos domésticos. Ao mesmo tempo, cada temporada distante aumenta a distância entre Robert e a família, deixa decisões importantes nas mãos de Gladys e cria brechas para que imprevistos escapem ao controle, mesmo quando ele cumpre o papel esperado de provedor.

Uma passagem decisiva envolve a acusação de roubo contra o trabalhador chinês Fu Sheng. Homens da equipe decidem “fazer justiça com as próprias mãos” e arrastam o acusado até uma ponte, em atmosfera de linchamento. A cena expõe o racismo daquele ambiente e coloca Robert dentro de um grupo disposto a punir sem prova alguma. Mais tarde, quando acontecimentos trágicos atingem sua casa, ele passa a associar desgraças àquele episódio, como se carregasse uma espécie de dívida. O filme usa essa lembrança como chave para explicar silêncios subsequentes: o protagonista aceita perdas, recusa explicações religiosas e evita confrontar diretamente a própria culpa, mesmo quando é cobrado por outros personagens.

Quando o foco se desloca para a vida doméstica, o filme apresenta o segundo grande objetivo do protagonista. Robert tenta construir uma rotina que compense as ausências, investindo em gestos simples, pequenos presentes, promessas de temporadas mais longas em casa. Gladys, interpretada por Felicity Jones com contenção, sustenta o cotidiano com a filha e administra a insegurança financeira que acompanha trabalhos temporários. As conversas entre os dois, muitas vezes marcadas por silêncio e frases curtas, revelam o desgaste causado pela incerteza. Esse frágil equilíbrio cede quando um incêndio de grandes proporções atinge a região enquanto Robert está longe, contratado em outra frente de serviço. A notícia da tragédia chega em recados secos, sem exposição detalhada, e desloca o arco do personagem: a partir desse ponto, o objetivo deixa de ser apenas garantir sustento e passa a incluir o esforço de continuar vivendo em um mundo que parece reduzido a lembranças.

O luto prolongado conduz as décadas seguintes. Robert se isola em uma casa afastada, insiste em permanecer na mesma área e recusa a possibilidade de recomeçar em outra cidade. Cada novo contrato de trabalho é aceito mais por inércia do que por ambição. O avanço das ferrovias, das rodovias e de tecnologias como o avião reforça a sensação de deslocamento. Homens mais jovens assumem as tarefas mais pesadas, grandes empresas ocupam o território e o protagonista percebe que sua força física já não garante relevância. A montagem cristaliza esse processo em elipses discretas, que saltam anos de uma cena para outra, usando rugas, mudanças de uniforme e a presença de máquinas modernas como marcadores de tempo silenciosos, sem depender de datas em tela.

Personagens secundários têm funções precisas na transformação do protagonista. Boomer, vivido por Clifton Collins Jr., representa a tentativa de manter algum espírito de camaradagem nos acampamentos e ajuda a medir o quanto Robert se torna mais fechado com o passar dos anos. Claire Thompson, interpretada por Kerry Condon, trabalha em serviços florestais e traz para o centro da conversa os efeitos ambientais da exploração. Quando comenta o desaparecimento de bosques inteiros ou questiona técnicas usadas pela empresa, desloca o olhar do protagonista: o que antes era visto apenas como meio de sobrevivência passa a ser encarado também como parte de um processo de destruição permanente da paisagem.

Arn Peeples, personagem de William H. Macy, aparece como especialista em explosivos e coordena alguns dos trabalhos mais arriscados. Em cenas que envolvem dinamite e desmoronamento controlado, o relato visual muda o tempo do filme, já que a preparação longa contrasta com a rapidez do impacto. Esses momentos reforçam a ideia de que a vida de Robert está sempre próxima de um acidente definitivo e que a ausência de garantias faz parte do acordo tácito dessa profissão. As escolhas de direção nesses trechos, com cortes secos e uso econômico da trilha de Bryce Dessner, destacam o risco imediato sem recorrer a exageros dramáticos.

A narração em voz de Will Patton dá contorno de memória a diversos acontecimentos. Muitas passagens parecem ser contadas a partir de lembranças fragmentadas, o que justifica repetições de imagens e o foco em detalhes simples, como um cachorro que acompanha o protagonista pela estrada ou a fumaça que cobre o céu depois de incêndios distantes. Essa perspectiva reforça a impressão de que o relato acompanha não apenas o que ocorreu, mas também a forma como esse homem passou a recordar a própria história, com lacunas e associações que não obedecem sempre à ordem cronológica, embora mantenham vínculo claro com o trauma central.

Ao longo dos anos, Robert cruza com figuras que trazem diferentes leituras sobre fé, progresso e destino. Um pregador falante, colegas que apostam em jogos de azar, comerciantes que veem oportunidade em tragédias alheias e moradores indígenas que observam de longe as obras ajudam a ampliar o mapa humano do filme. Cada encontro altera ligeiramente o modo como o protagonista percebe sua posição naquele mundo: ora se vê como vítima de forças maiores, ora como alguém que contribuiu diretamente para o desaparecimento de florestas e para a expulsão de comunidades inteiras.

Conforme a trama se aproxima de seu ponto mais tenso, o protagonista passa a ter experiências que misturam lenda local e possível delírio. Notícias sobre uma menina que teria crescido entre lobos, relatos de aparições nos trilhos e visões em noites de fumaça densa funcionam como expressão de um imaginário rural que tenta dar forma ao sofrimento. Em uma sequência central, Robert precisa decidir se encara um desses episódios como sinal de culpa ou como chance tardia de reconciliação íntima. A escolha não é explicada em palavras, mas a maneira como ele reage altera o tom de sua velhice, agora marcada por uma calma diferente daquela do início da história.

Na etapa derradeira, o que permanece é o retrato de um homem que atravessou incêndios, mudanças tecnológicas e reviravoltas econômicas sem deixar de ser um trabalhador anônimo. A coexistência de trilhos em uso, linhas abandonadas, clareiras queimadas e pequenas casas espalhadas pela paisagem de Idaho reforça a sensação de que o esforço diário de pessoas como Robert deixa marcas discretas, mas duradouras. Quando um trem volta a cruzar o vale em que ele vive, já idoso, a passagem rápida da locomotiva condensa décadas de trabalho, perda e adaptação em alguns segundos de barulho e fumaça.

Filme: Sonhos de Trem
Diretor: Clint Bentley
Ano: 2025
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★