Algo em “Máfia e Poder“ desperta uma estranha sensação de desalinhamento, como se o filme buscasse resgatar a aura de um passado glorioso do gênero, mas tivesse sido feito por alguém que não sabe decidir se deseja revisitar o mito ou desmontá-lo. A abertura, com Frank Costello interpretado por Robert De Niro sobrevivendo a uma tentativa de execução, pretende funcionar como ponto de retorno, porém já anuncia um dilema central: o longa acredita ter encontrado um eixo sólido de tensão, quando na verdade apenas o repete. A narrativa se apoia no relato de um homem que revisita a própria trajetória, mas esse retorno ao passado não revela nada de inesperado; apenas reforça a impressão de que a repetição virou muleta, não escolha estética.
É curioso observar como o filme insiste em combinar grandiosidade e intimismo sem conseguir sustentar nenhum dos dois. O uso de flashbacks, recurso que poderia aprofundar o contraste entre o jovem e o velho Costello, se transforma em um labirinto de transições truncadas. A tentativa de fazer a câmera acompanhar o ritmo interno das memórias não funciona porque nada nas memórias se diferencia do que já vimos dezenas de vezes: discussões sobre códigos de honra, alianças forçadas, pequenos gestos que pretendem sugerir humanidade em meio à brutalidade do submundo. Frank, quando observado em perspectiva longa, parece desfazer-se em repetições: o chefe experiente que tenta controlar um sistema corroído, o homem que resiste a entrar no comércio de narcóticos, o padrinho que acredita ser o guardião de uma espécie de moral alternativa. De Niro tenta conferir uma gravidade madura ao personagem, e em alguns momentos essa tentativa rende lampejos de sensibilidade, mas a construção fica presa a um sentimentalismo tímido que não acompanha o peso histórico que o filme gostaria de evocar.
Quando Vito Genovese, também interpretado por De Niro, retorna dos anos de confinamento e problemas legais, o roteiro aposta na rivalidade pessoal como força motriz do enredo. Vito é apresentado como um homem de energia imprevisível, sempre à beira da explosão, alguém que enxerga o crime como campo de expansão da própria personalidade. Mas a postura que deveria sugerir fúria e instabilidade se perde em um gesto repetido de contenção. O ator tenta demarcar as diferenças entre Vito e Frank com mudanças sutis de postura e ritmo de fala, porém o esforço não supera o fato central: não existe contraste suficiente para justificar o espelhamento. Quando duas figuras tão marcadamente distintas acabam parecendo variações do mesmo molde, a dupla interpretação deixa de ser uma escolha ousada e passa a simbolizar o desequilíbrio estrutural que atravessa todo o filme.
O que se apresenta como disputa ideológica dentro da máfia também não encontra terreno sólido. A resistência de Frank ao tráfico de drogas é tratada como se houvesse ali um dilema moral de fôlego, mas a narrativa não se compromete em examinar o pano de fundo político que moldou a expansão do narcotráfico no pós-guerra. Por se recusar a aprofundar esse contexto, o filme transforma discussões que poderiam mapear tensões geopolíticas complexas em diálogos diluídos, muitas vezes informados apenas por frases de efeito que não sustentam a seriedade do tema. A história real oferece material exuberante para refletir sobre transformações econômicas, disputas de poder, interferência estatal e o impacto da guerra na reorganização do crime organizado, mas o longa se contenta com referências superficiais. A sensação é de uma narrativa que se inicia com promessas de análise e termina na beira do lugar-comum.
O restante do elenco transita entre a discrição e a quase invisibilidade, exceto por Kathrine Narducci, que interpreta Anna Genovese com intensidade rara dentro da proposta geral. Ela injeta energia onde o filme mais precisa e compensa, em parte, a falta de força dramática entre os protagonistas. Debra Messing, no papel de Bobbie Costello, tenta imprimir nuances à vida doméstica do chefe mafioso, porém a personagem recebe tão pouco espaço que sua função se restringe a preencher silêncios. Michael Rispoli, como Albert Anastasia, oferece um lampejo do potencial que o filme poderia explorar caso assumisse plenamente a natureza intempestiva desse universo, mas esses momentos aparecem apenas como fragmentos isolados.
O grande paradoxo de “Máfia e Poder“ é que todo esse aparato técnico e histórico não resulta em um filme desastroso, apenas em um filme que não sabe o que fazer com o que possui. A direção de Barry Levinson aposta em uma composição nostálgica que se torna dependente de carros antigos, imagens de arquivo e montagens aceleradas, como se a repetição de objetos de época pudesse compensar a ausência de vigor narrativo. A tentativa de combinar intimidade com documentação falha porque a fronteira entre memória e relato oficial permanece rígida demais. Nada pulsa com naturalidade; tudo parece ajustado por obrigação.
Quando a disputa entre Frank e Vito finalmente encontra seu ponto de ruptura, o filme ganha algum dinamismo, mas chega nesse estágio com fôlego curto. A tensão que deveria se acumular ao longo de décadas se resume a gestos previsíveis, o que impede que o conflito alcance densidade emocional. O que resta é uma obra que tenta se sustentar pelo peso dos nomes envolvidos, mas não articula plenamente a potência de seus temas. Uma história sobre poder, ambição e decadência que, ironicamente, evita olhar de frente as contradições que a tornam relevante. A sensação, ao término, é de uma narrativa que não se permite assumir nem a brutalidade que descreve nem a complexidade histórica que exige.
★★★★★★★★★★

