Uma série de mortes brutais em áreas de caça no estado do Oregon chama a atenção das autoridades americanas. Caçadores de cervos aparecem dilacerados em plena floresta, sem sinais de disparos de arma de fogo, mas com cortes profundos que indicam o uso de facas e conhecimento avançado de emboscadas. Enquanto equipes oficiais procuram um grupo de criminosos, a leitura minuciosa do cenário aponta para um único autor, alguém capaz de se ocultar na mata, antecipar movimentos das vítimas e desaparecer sem deixar pegadas claras.
“Caçado” apresenta esse quadro como ponto de partida para o encontro entre L.T. Bonham, vivido por Tommy Lee Jones, e Aaron Hallam, interpretado por Benicio Del Toro, sob direção de William Friedkin. Recluso em região isolada, Bonham é rastreador veterano, ex-instrutor de forças especiais, acostumado a localizar alvos em ambientes hostis. Hallam, por sua vez, é ex-combatente marcado por missões secretas e traumas acumulados em zonas de conflito. O filme concentra a atenção nessa relação de mestre e discípulo levada ao limite, em que a perseguição policial se mistura a acerto de contas pessoal.
A investigação conduzida pelo FBI, com participação da agente Abby Durrell, interpretada por Connie Nielsen, mostra que os crimes não se encaixam na lógica de serial killer convencional ou disputa territorial. Hallam escolhe alvos armados, movidos pela ideia de esporte, e transforma a floresta em resposta particular a um passado de violência autorizada. Quando Bonham identifica o tipo de faca usada e o padrão dos golpes, percebe que enfrenta alguém formado pelos mesmos exercícios, técnicas e regras de sobrevivência que ensinou em treinamentos anteriores.
A partir desse reconhecimento, “Caçado” adota estrutura de thriller de perseguição, com avanços e recuos entre caçador e perseguido. A narrativa acompanha deslocamentos pela mata, por trilhos de trem, pontes, ruas e estruturas industriais, sempre com foco na proximidade física entre os dois homens. Em vez de grandes explosões ou sequências centradas em veículos, o filme privilegia confrontos diretos, em que cada investida com facas, pedras ou objetos improvisados expõe a experiência acumulada por ambos.
William Friedkin filma a floresta como espaço de vantagem para Hallam. A vegetação densa, a chuva constante, rios e encostas íngremes criam pontos de cobertura e rotas de fuga que confundem agentes acostumados a operações padronizadas. Bonham, ao contrário, lê pequenas deformações no solo, galhos rompidos, folhas deslocadas e marcas em troncos para rastrear o movimento do ex-aluno. Essa oposição entre tecnologia e leitura direta do ambiente define a logística das caçadas, em que cercar, flanquear e pressionar o alvo exige número reduzido de pessoas e conhecimento íntimo do terreno físico.
Tommy Lee Jones interpreta Bonham como homem endurecido que evita discursos longos. O personagem demonstra culpa e cansaço em gestos contidos, no modo de observar o chão, de checar o entorno antes de avançar e de recusar armas de fogo quando possível. Seu compromisso com a captura de Hallam nasce de ordem institucional e de responsabilidade pessoal: cada nova pista funciona como lembrança de escolhas feitas em campos de instrução, tomadas em nome de eficácia que agora apresenta consequências fora de qualquer fronteira definida.
Benicio Del Toro constrói um Hallam em estado permanente de alerta, com olhar que varre o ambiente à procura de ameaças. As marcas do passado aparecem em breves flashbacks de combate e em referências a missões clandestinas, suficientes para indicar histórico em que a distinção entre alvo militar e vítima civil se torna difusa. O personagem reage a ruídos de helicópteros, a aproximações súbitas e a qualquer sinal de cerco com a mesma prontidão de quem ainda se percebe em operação. Há uma linha direta entre o que aprendeu com Bonham e o modo como agora elimina quem considera perigo.
Connie Nielsen, como Abby Durrell, representa a tentativa de enquadrar o caso em parâmetros jurídicos e administrativos. A agente precisa responder a chefes, protocolos, relatórios e pressões políticas, enquanto acompanha um consultor civil que enxerga a caçada como responsabilidade própria. Em cenas de planejamento e reuniões, ela argumenta pela presença de mais agentes, helicópteros e barreiras, enquanto Bonham defende atuação reduzida, com poucos homens experientes para evitar mortes adicionais. Esse embate de opiniões reflete o conflito entre a lógica de guerra, baseada em neutralização rápida do alvo, e a lógica policial, que precisa justificar cada ação.
Visualmente, “Caçado” explora contraste entre o verde fechado das florestas e os espaços cinzentos da cidade. Na mata, a câmera acompanha perseguições com planos que permitem entender posição relativa de caçador e perseguido, sem excesso de cortes que confundam trajetórias. Quando a ação migra para ruas, pontes e interiores metálicos, o filme mantém clareza de deslocamento, usando obstáculos físicos para criar momentos de cobertura, avanço e recuo. As lutas com faca são filmadas de modo a destacar impacto dos golpes, respiração acelerada e exaustão dos corpos, apoiadas em coreografias que enfatizam proximidade e risco constante.
A trilha sonora, composta por Brian Tyler, alterna momentos discretos com passagens em que a percussão acompanha o ritmo da perseguição. Em vários trechos, Friedkin deixa que ruídos de água corrente, passos na lama, folhas pisadas e metais em choque assumam o primeiro plano sonoro, reforçando a sensação de que todos os personagens se orientam por sinais mínimos. A ausência de temas grandiosos em pontos de confronto reforça a impressão de que a violência retratada corresponde a trabalho técnico, fruto de repetição em treinamento.
O roteiro escrito por David e Peter Griffiths, em parceria com Art Monterastelli, evita múltiplas subtramas e se concentra na linha principal da caçada. Essa escolha reduz espaço para aprofundar a vida privada de Bonham e Hallam, mas garante progressão contínua, com poucos momentos de pausa entre uma perseguição e outra. Referências a um ex-companheiro de Hallam, a cartas enviadas ao antigo instrutor e a tentativas de tratamento psiquiátrico indicam história de bastidor que envolve decisões militares e políticas, mantidas em segundo plano.
Ao longo do filme, a relação entre instrutor e ex-aluno se redefine a cada encontro. Em alguns momentos, Bonham tenta alcançar o homem que conheceu em campo de treinamento; em outros, precisa reagir a um combatente que vê qualquer aproximação como ameaça a ser eliminada. Essa oscilação torna a perseguição mais do que simples disputa física, já que cada golpe carrega resquício de convivência anterior e de confiança construída em situações de risco extremo.
“Caçado” observa o resultado de um processo de formação que transforma pessoas em especialistas em rastrear, cercar e neutralizar alvos, sem oferecer caminho claro de retorno à vida comum. A cidade, as florestas e as pontes por onde Bonham e Hallam passam acumulam sinais dessa história, de fios de sangue sobre a neve a troncos marcados por facas afiadas. No desfecho da narrativa, permanece a imagem de um país que tenta conter, entre rios, trilhos e linhas de polícia, uma guerra que já se instalou em seu próprio território.
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