Uma família em luto se muda para uma antiga abadia na Espanha, à procura de recomeço e alguma estabilidade depois da morte do pai. O prédio, amplo e degradado, parece oferecer abrigo temporário, até que o filho mais novo passa a exibir comportamentos alarmantes. O menino se isola, fala com alguém que não está em cena, sofre contorções violentas e manifesta conhecimento sobre segredos dos parentes. Médicos são chamados, exames são feitos, mas as explicações soam insuficientes diante da gravidade do quadro, e a mãe se vê empurrada para um pedido de ajuda à Igreja.
É nesse ponto que “O Exorcista do Papa” apresenta o padre Gabriele Amorth, vivido por Russell Crowe, exorcista oficial do Vaticano encarregado de avaliar casos suspeitos ao redor do mundo. Dirigido por Julius Avery, o filme conta com Daniel Zovatto como o jovem padre Esquibel, Alex Essoe na pele da mãe Julia e Franco Nero como o Papa. A narrativa se apoia em livros de não ficção escritos pelo próprio Amorth, que reuniu relatos de décadas de atuação em obras como An Exorcist Tells His Story e An Exorcist: More Stories, usados aqui como base livre para ficção.
Avery escolhe apresentar Amorth como figura carismática, irônica e segura de si. O padre discute decisões com cardeais, provoca colegas mais céticos e circula por Roma com confiança de quem conhece os bastidores da instituição. Em vez de um personagem consumido pela dúvida, surge alguém que já enfrentou situações extremas e desenvolveu uma rotina para separar casos de saúde mental de eventuais manifestações sobrenaturais. Essa segurança passa para o espectador e muda o tipo de suspense, que deixa de se concentrar em saber se o mal existe e passa a observar como o exorcista pretende conter a ameaça.
A ida à abadia desloca a ação para um cenário que concentra a maior parte da tensão. O lugar reúne símbolos religiosos, passagens bloqueadas e áreas em ruína, onde paredes rachadas e corredores escuros insinuam um passado de violência e segredos. Amorth e Esquibel investigam o entorno do menino possuído, identificam sinais de atividade demoníaca e percebem que o prédio guarda marcas físicas de algo mais antigo que o drama da família recém-chegada. A arquitetura funciona como extensão da presença maligna, que parece infiltrar cada cômodo, tomar objetos e transformar o isolamento da propriedade em condição de vulnerabilidade extrema.
Como terror, “O Exorcista do Papa” se ancora em elementos consagrados do subgênero de exorcismo. A voz do garoto ganha timbre mais grave, frases em latim surgem durante crises, o corpo do personagem se dobra de maneiras antinaturais e insultos contra símbolos sagrados reduzem a sensação de proteção da cruz e da água benta. A trilha sonora aumenta de forma súbita a cada manifestação, e o desenho de som usa sussurros, passos pesados e estalos vindos de cômodos vazios para alimentar a suspeita de que algo observa os personagens de pontos cegos. A ameaça se anuncia por ruídos, sombras e pequenos deslocamentos antes de explodir em ataques abertos.
A câmera acompanha esse processo com movimentos frequentes. Nas cenas de exorcismo, aproxima rostos, registra olhos revirados e corta rapidamente entre possuído, sacerdotes e objetos religiosos em risco. Essa cadência restringe o tempo de contemplação silenciosa e mantém a sensação de instabilidade constante, o que favorece descargas de medo rápidas e repetidas. Ao mesmo tempo, reduz a construção gradual de clima, já que poucos planos permanecem longos o bastante para que o espectador explore com calma o espaço ao redor dos personagens. A experiência se aproxima da lógica de confrontos sucessivos que pressionam o grupo dentro de um território controlado pela entidade.
A narrativa intercala o confinamento na abadia com reuniões no Vaticano, onde a hierarquia tenta conter o alcance da crise. Cardeais se dividem entre a necessidade de investigar e o receio de admitir a dimensão do problema, enquanto documentos antigos revelam ligações entre a figura demoníaca atual e episódios enterrados nos registros da Igreja. Essas passagens colocam o demônio não apenas como inimigo externo, mas como consequência de escolhas políticas tomadas em períodos de intolerância e perseguição religiosa. O mal, assim, se alimenta de pecados institucionais que foram empurrados para porões e catacumbas, em vez de encarados à luz do dia.
Ao lado do tema da culpa coletiva, o filme dedica tempo à relação entre Amorth e Esquibel. O padre mais velho avalia o colega, critica falhas em sua trajetória e propõe um aprendizado acelerado dentro do próprio campo de batalha. O jovem sacerdote, marcado por erros anteriores, hesita diante da responsabilidade e precisa recuperar alguma confiança para enfrentar a situação. Nesse eixo, a história inclui momentos de confissão, aconselhamento e contraste entre tradição e renovação, mesmo que o foco continue voltado para o enfrentamento do demônio que domina o menino.
A fotografia reforça as diferenças entre Roma e Espanha. No Vaticano, predominam interiores bem delimitados, com salas iluminadas de forma controlada, onde cada figura ocupa posição clara na hierarquia. Na abadia, a luz entra por frestas, encontra poeira suspensa e recorta silhuetas contra janelas altas, o que acentua a ideia de espaço contaminado. À noite, o filme aposta em silhuetas recortadas por velas, lanternas e pequenos focos de iluminação, que não dão conta de revelar todo o cenário e mantêm a sensação de que algo se esconde nos limites do quadro.
Os efeitos digitais aparecem com intensidade crescente na segunda metade, quando o confronto ganha escala visual maior. Aparições infernais, chamas e distorções físicas mais radicais ampliam o embate entre sacerdotes e demônio, aproximando certas passagens do terreno da fantasia de combate espiritual. Em alguns momentos, essa opção enfraquece o desconforto ligado ao corpo do menino, já que o horror se desloca da fragilidade humana para imagens de espetáculo, mas também deixa claro que a proposta se inclina à ação sobrenatural de alta intensidade. O filme insiste nessa via até o desfecho, com cenário e personagens plenamente dominados pelo conflito.
Russell Crowe conduz esse percurso com presença que mistura ironia e desgaste. Seu Amorth demonstra memória de casos anteriores, cita experiências passadas e se permite piadas discretas mesmo diante de manifestações graves, o que afasta parte do peso trágico e aproxima o personagem de um profissional calejado. Daniel Zovatto sustenta a posição de pupilo em busca de redenção, e a dinâmica entre os dois cria respiros entre ataques, reforçados por pequenas trocas de olhar, reprovações e tentativas de encorajamento.
A mãe interpretada por Alex Essoe representa o elo afetivo central da família, tentando manter rotinas mínimas para os filhos dentro de um espaço cada vez mais hostil. Franco Nero, como o Papa, aparece em cenas que acompanham o avanço da crise e traduzem a dificuldade da instituição em assumir os riscos que ajudou a criar. Essas figuras ancoram o horror em rostos reconhecíveis, para além do duelo simbólico entre bem e mal.
“O Exorcista do Papa” combina procedimentos do terror sobrenatural com elementos de aventura investigativa, priorizando sustos frequentes, confrontos físicos com a entidade e investigação de arquivos e passagens ocultas. A opção por ritmo acelerado deixa menos espaço para angústia silenciosa, mas produz uma sucessão de choques em que fé, culpa e burocracia se enfrentam em salas, túneis e criptas. Ao concentrar o conflito em uma abadia cheia de frestas, símbolos religiosos quebrados e câmaras escondidas, o filme aponta para um universo em que cada pedra, crucifixo e corredor escuro registra a disputa entre decisões humanas e forças que essas decisões afirmam tentar conter.
★★★★★★★★★★

