Terror com Russell Crowe no Prime Video vai testar seus limites quando o relógio marcar três da manhã Jonathan Hession / Sony Pictures

Terror com Russell Crowe no Prime Video vai testar seus limites quando o relógio marcar três da manhã

“O Exorcista do Papa” se vale de um imaginário religioso familiar ao público para construir uma narrativa ancorada em dualidades que atravessam a história do próprio cinema de possessão: fé e ceticismo, disciplina e improviso, ordem institucional e desvios individuais. O enredo inicia com a presença de um sacerdote que, acostumado a transitar pelos bastidores da Igreja, entende os rituais não apenas como liturgia, mas como estratégia política. A figura central interpretada por Russell Crowe adquire contornos interessantes justamente por estar situada nesse limite entre a obediência e a autonomia pessoal. O carisma que o ator projeta funciona como ponto de equilíbrio em um universo que, por definição, depende de certezas frágeis e ameaçadas.

A força inicial do filme está no modo como lida com a ideia de autoridade. O protagonista não surge como herói infalível, mas como alguém que administra ambiguidades, consciente de que o mal estudado pela teologia não se apresenta de forma clara. O sotaque do personagem, sempre comentado entre espectadores, opera como marcador simbólico dessa condição intermediária: é ao mesmo tempo parte de sua identidade e instrumento de estranhamento diante de um mundo que se pretende universal. Mesmo quem não domina o idioma italiano percebe que essa singularidade linguística ajuda a conferir ao personagem uma espécie de distância crítica em relação ao ambiente em que circula.

Com o avanço da narrativa, a trama se dedica a construir uma atmosfera de urgência. A condução das cenas enfatiza deslocamentos rápidos, diálogos concisos e conflitos internos que remontam a disputas históricas conhecidas por estudiosos da Igreja. O roteiro flerta com a tradição de histórias de exorcismo, mas busca inserir tensões ligadas a burocracias e disputas de poder. Embora seja evidente que o filme manipula documentos, rituais e terminologias com liberdade dramática, esse afastamento da precisão histórica não compromete a compreensão geral; apenas sinaliza que se trata de uma ficção que utiliza o ambiente religioso como palco, e não como documento.

O desenvolvimento dos personagens secundários é irregular. O padre vivido por Daniel Zovatto estabelece com o protagonista uma relação que funciona como contraponto geracional, sugerindo que a experiência pode conviver com certo ímpeto de rebeldia intelectual. Há, entre ambos, um dinamismo que sustenta grande parte da tensão dramática, ainda que o roteiro não ofereça aprofundamento teológico capaz de explorar com rigor as implicações de suas escolhas. A mãe interpretada por Alex Essoe cumpre uma função narrativa necessária, mas recebe menos espaço do que poderia. As crianças orbitam a história com desempenhos que variam entre o convencional e o pouco expressivo, reforçando a sensação de que o núcleo familiar se mantém em segundo plano, mais funcional do que transformador da trama.

A recorrência de elementos conhecidos do gênero é perceptível. A estrutura de possessão, investigação, escalada de violência e inevitável confronto final segue padrões já consolidados. A ausência de inovações significativas não se traduz, porém, em desinteresse. O filme investe em ritmo, clareza e uma certa disciplina formal que impede dispersões e garante envolvimento contínuo. O susto inesperado não é sua intenção principal, mas a construção gradual de tensão cumpre o papel de manter o espectador em concentração constante.

O aspecto que mais se destaca é o desempenho do elenco adulto. Russell Crowe encontra um registro que combina severidade e pragmatismo, dispensando excessos melodramáticos frequentemente associados a histórias de exorcismo. O jogo cênico com Zovatto fortalece a narrativa e evita que o filme se apoie exclusivamente nos efeitos sobrenaturais. Quando a trama perde vigor, é a interação entre esses dois personagens que sustenta o interesse. A direção, consciente dessa força, privilegia momentos de diálogo que revelam fragilidades, memórias e dúvidas, ainda que sem mergulhar profundamente nas questões doutrinárias que o tema evocaria.

O filme não se furta a contradições internas: utiliza a Igreja como estrutura, mas a retrata de forma que oscila entre crítica e reverência; explora documentos históricos sem assumir compromisso com sua veracidade; dramatiza rituais sem questionar os limites da representação. Ainda assim, o conjunto funciona porque entende que seu objetivo central é narrativo. Não pretende fornecer análise teológica, tampouco reinventar o gênero. Prefere construir uma história que se sustenta pela combinação de ritmo, atuação sólida e um ambiente que, embora repleto de liberdades ficcionais, mantém suficiente coerência interna para convencer o espectador enquanto a projeção dura.

O filme alcança uma espécie de eficácia discreta. Não amplia horizontes, mas cumpre a função a que se propõe com competência. Seus limites são evidentes, assim como seus acertos. A permanência na memória depende mais da impressão deixada pelo protagonista do que da trama em si. É um título que se apoia firmemente na presença vigorosa de seu intérprete principal e na habilidade de condução das cenas, indicando que, mesmo dentro de um território conhecido, ainda é possível extrair narrativas que despertam atenção genuína.

Filme: O Exorcista do Papa
Diretor: Julius Avery
Ano: 2023
Gênero: Suspense/Terror
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.