Quem exalta o hedonismo da Califórnia nunca celebrou um Natal em Sacramento, disse certa feita Joan Didion (1934-2021). Da mente cavernosa de Charles Manson (1934-2017), líder de uma seita extremista baseada no recanto mais ensolarado dos Estados Unidos, ao impacto da Guerra do Vietnã (1955-1975) na juventude da América, as ideias da mais tresloucada originalidade ganhavam corpo pela narrativa pulsante da escritora, que sem dúvida não teria chegado lá se permanecesse na cidade em que nascera. Para Rickey e Glenn, os protagonistas de “Sacramento”, a capital californiana não é, entretanto, nem um quadro velho numa parede mofada e, ainda assim, esses dois amigos dirigem-se àquelas cercanias embalados por franco saudosismo, embora por uma razão absurda. Michael Angarano recheia seu filme de detalhes intimistas — além dele, o elenco conta com seu pai; a esposa, Maya Erskine; Kristen Stewart, a ex-namorada; e o filhinho que nasceu da união com Erskine — a fim de envolver o público numa atmosfera de melancolia e regozijo, alimentada por comentários sobre as permanentes dificuldades da vida adulta.
No prelúdio, um ano antes, Rickey toma sol nu à beira de um lago. Na outra margem, surge uma garota, Tallie, que elogia seu membro viril — mesmo a uma distância de cem ou duzentos metros —, e os dois combinam um encontro, dentro da água, no meio do caminho. Em menos de cinco minutos, o espectador tem uma ideia dos tipos desvairados que habitamessa história, e Rickey talvez nem seja o mais enlouquecido deles. Ele sumira por mais de um ano, e agora volta a procurar Glenn, escondido numa árvore para fazer uma surpresa. Glenn e a esposa, Rosie, esperam Geoffrey, que virá ao mundo dentro de quatro semanas, mas é justo ela quem incentiva com maior ânimo essa reaproximação. No momento mais brilhante da carreira, Kristen Stewart tem o condão de dosare apenas sugeriremoções, permitindo a quem assiste chegar a suas próprias inferências. Pouco antes, Glennacabara por despedaçar o berço que o casal encomendara para o bebê, e a reação de Rosie é quase uma lição de como tratar adultos disfuncionais. Ela quer ver-se livre dele, ao menos por uns dias.
Rickey e Glenn saem por Los Angeles no velho conversível que lhes serviu de cenário para as aventurasda pós-adolescência, até que Rickey explica o porquê do súbito regresso. Seu pai morrera no mês passado, e ele precisa de Glenn para espalhar as cinzas em
Sacramento, a terra natal do velho. Paulatinamente, Angarano e o corroteirista Christopher Nicholas Smith preenchem o segundo ato com passagens do mais puro nonsense, como a que mostra Rickey esvaziando um pote de bolas de tênis e colocando no lugar terra, para parecer os restos mortais paternos. Glennjamais desconfia de que o amigo pode o estar ludibriando, e episódios como o que registra sua instabilidade emocional, numa loja de conveniência, prestam-se a aliviar um pouco a potencial ojeriza que Rickey provoca. No fundo, os dois são bem semelhantes, a não ser no que se refere, claro, ao comportamento com as ex-boxeadoras que conhecem num bar, sequência que desdobra-se em lances memoráveis, na medida certa de drama e respiro cômico.
Angarano e Michael Cera revezam-se na predileção da audiência, sublinhando o lado mais pueril dos protagonistas, mas insistindo em justificativas para esse temperamento. Stewart, em aparições bissextas, domina o filme, enriquece o trabalho dos dois e consegue ainda apontar a beleza da composição de Erskine como Tallie. “Sacramento”, a exemplo de “Pequena Miss Sunshine” (2006), dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris, e “Nebraska” (2013), levado à tela por Alexander Payne, entra na lista dos filmes nos quais viagens servem para uma descoberta óbvia: não se pode escapar de si mesmo.
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