A nova comédia de Natal da Netflix aquece a alma e o coração com uma leveza despretensiosa Divulgação / All Canadian Entertainment

A nova comédia de Natal da Netflix aquece a alma e o coração com uma leveza despretensiosa

Um casal especializado em transformar casas desgastadas em ambientes prontos para revista de decoração viaja para gravar um especial de Natal em uma pequena cidade de New Hampshire e percebe que a reforma mais urgente não está no imóvel escolhido pela produção, e sim na relação que mantêm diante do público. Em “Reforma com Romance”, Chelsea e Cooper, vividos por Jessica Lowndes e Daniel Lissing, comandam um reality show de reformas que depende da química entre os dois para convencer espectadores de que qualquer espaço pode ser renovado. A viagem para o episódio festivo, no entanto, escancara o quanto esse entrosamento profissional já não corresponde ao que se passa fora do enquadramento, enquanto prazos, patrocinadores e metas de audiência comprimem ainda mais o tempo para ajustes emocionais.

Dirigido por Robin Dunne, o telefilme canadense insere a crise do casal em um ambiente televisivo competitivo, marcado por reuniões com executivos, necessidades comerciais e roteiros milimetricamente planejados. Não se trata de adaptação de livro ou história prévia: o roteiro original, escrito por Peter Benson e Julia Benson em parceria com o diretor, parte de um formato conhecido — o programa de reformas — para investigar de que modo um relacionamento de longa data reage quando tudo se transforma em produto. A produção acompanha o cotidiano dessa equipe em deslocamento, com diárias de gravação, viagens, entrevistas e decisões tomadas sob a vigilância constante de câmeras e celulares, sem abrir o desfecho da relação, mas expondo as forças que pressionam os dois lados.

O enredo se desenha a partir de um conjunto de conflitos claros. A emissora precisa de um episódio especial capaz de consolidar a marca do programa na temporada de festas. Chelsea enxerga nesse momento uma chance real de ampliar responsabilidades e buscar novos formatos, inclusive com maior protagonismo individual. Cooper prefere preservar a dinâmica já conhecida, apoiado no sucesso de temporadas anteriores e na segurança de um modelo testado. Esse desencontro de expectativas se infiltra no dia a dia de trabalho: reuniões em que propostas são discutidas sem o parceiro, mudanças de roteiro comunicadas em cima da hora, decisões sobre foco do programa que passam mais pela lógica comercial do que pela vontade dos dois.

Dunne constrói esse atrito com uma encenação que aproveita bem os espaços do set. Em momentos de gravação, a câmera acompanha o casal em planos mais abertos, com luz controlada, cenário montado e equipe em movimento ao fundo, reforçando a imagem de parceria funcional. Nos intervalos, aproxima rostos, registra hesitações, silêncios e respostas cortadas em meio ao barulho de ferramentas e ao vai e vem de produtores. A alternância entre material planejado para ir ao ar e bastidores menos arrumados ajuda a explicar por que Chelsea e Cooper já não conseguem separar com tanta clareza o papel que interpretam para o público da vida que tentam preservar longe da audiência.

O uso da paisagem natalina funciona como contraponto aos impasses. A cidade com casas de madeira cheias de enfeites, ruas iluminadas, vitrines decoradas e restaurantes acolhedores cria uma sensação de aconchego que contrasta com a tensão dos prazos. Enquanto moradores locais se preparam para as festas, o casal precisa negociar contratos, revisões de cenário e mudanças de cronograma. O filme explora esse contraste em cenas que mostram a equipe cercada de caixas de material, amostras de tinta e móveis desmontados em plena época de descanso, lembrando que a promessa de transformação rápida de ambientes cobra esforço contínuo de quem vive do programa.

As opções de figurino reforçam o lugar de cada personagem nesse jogo. Chelsea assume suéteres mais sóbrios, casacos alinhados e cores que dialogam com a ideia de apresentadora que precisa inspirar confiança e liderança, inclusive em reuniões de negócios. Cooper aparece com roupas um pouco mais casuais, muitas vezes com camadas sobrepostas e peças que sugerem conforto e familiaridade com o trabalho físico da reforma. Quando os dois aparecem coordenados visualmente, com tons próximos e peças complementares, a narrativa indica uma aproximação momentânea. Em outros trechos, a diferença de estilo salta aos olhos, e as roupas ajudam a marcar a distância crescente entre suas prioridades.

Jessica Lowndes conduz a personagem com atenção às mudanças de humor causadas pelo acúmulo de funções. Sua Chelsea precisa emitir ordens à equipe, ouvir recados da emissora e, ao mesmo tempo, manter um sorriso treinado para os momentos em que a gravação recomeça. O rosto tenso depois de alguma disputa de bastidor contrasta com a fala segura diante do público, e essas mudanças dão corpo à ideia de uma profissional que se acostumou a carregar mais peso do que o combinado. Daniel Lissing, por sua vez, oferece um Cooper carismático diante dos espectadores, mas menos disposto a reavaliar a própria posição quando o programa começa a pedir mais flexibilidade. O jeito leve com a equipe, as piadas durante as obras e a confiança no formato testado explicitam porque ele resiste a projetos que alterem o equilíbrio da dupla.

A trilha sonora acompanha os dois registros da narrativa. Nas sequências em que a produção tenta ressaltar a magia do Natal, predominam temas instrumentais suaves, com piano, sinos e cordas discretas reforçando a promessa de reencontros em família e casas renovadas. Já nas situações de conflito, a música recua, abrindo espaço para sons de obra, para o eco de marteladas, serras e conversas cruzadas em ambientes fechados. Esses ruídos de rotina, mantidos em primeiro plano, lembram o tempo todo que o romance acontece em um cenário de trabalho intenso, em que cada minuto gasto em conversa pessoal parece uma ameaça à entrega do projeto dentro do prazo.

O desenho de produção explora bem a lógica antes/depois que sustenta o reality dentro do filme. A casa escolhida para o especial aparece inicialmente com paredes marcadas, cômodos pouco funcionais e iluminação deficiente. À medida que o cronograma avança, o espectador vê mudanças de piso, pintura renovada, móveis reposicionados e detalhes de decoração pensados para agradar à câmera. Em paralelo, a relação entre Chelsea e Cooper segue movimento menos linear, com aproximações e afastamentos que não obedecem ao mesmo controle. Enquanto as paredes ganham cor e textura definidas, o entendimento entre eles continua sujeito a decisões ainda em aberto, como propostas de novos contratos, convites individuais e o lugar de cada um na marca construída em conjunto.

O roteiro reserva momentos para mostrar o impacto da equipe nesse processo. Produtores, assistentes e técnicos reagem com olhares e comentários discretos quando percebem que o clima entre os apresentadores azeda. Esse coletivo também ajuda a indicar como a imagem do casal funciona como ativo para todos ali: qualquer mudança no programa ameaça não apenas a vida dos protagonistas, mas também o meio de subsistência de quem depende daquele formato. A presença constante de celulares e equipamentos reforça a ideia de que quase tudo pode virar conteúdo, inclusive uma conversa que deveria permanecer privada.

A narrativa enfatiza que a verdadeira reforma observada ali passa menos pela troca de móveis e mais pela revisão de acordos que sustentam uma vida a dois em ambiente de exposição permanente. A lembrança que fica é a de duas pessoas cercadas por enfeites de Natal, pilhas de caixas e restos de material de construção, tentando decidir como ocupar a mesma casa depois que as câmeras param de gravar e o cenário precisa continuar habitável.

Filme: Reforma com Romance
Diretor: Robin Dunne
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★