O drama criminal mais afiado de Scorsese está no Prime Video — e conversa com 2025 mais do que nunca Divulgação / Universal Pictures

O drama criminal mais afiado de Scorsese está no Prime Video — e conversa com 2025 mais do que nunca

A primeira imagem de “Casino” estabelece de imediato a tensão que rege todo o filme: a promessa de controle confrontada com a evidência da desagregação. Essa dissonância orienta a trajetória de Sam “Ace” Rothstein (Robert De Niro), cuja confiança na lógica e no cálculo contrasta com a dinâmica imprevisível que sustenta Las Vegas. Ele acredita que um sistema pode ser conduzido como um mecanismo matemático; a narrativa se encarrega de demonstrar o limite dessa crença.

A construção de Ace parte da convicção de que inteligência analítica basta para se antecipar a falhas humanas. Sua rotina no Tangiers funciona como laboratório dessa mentalidade: examina detalhes, ajusta processos, identifica riscos antes que se tornem problemas. Essa forma de pensar desenha um gestor que confia mais em previsões do que em relações. O filme explora justamente o equívoco dessa postura, revelando como qualquer estrutura de poder depende do que não pode ser quantificado.

A presença de Nicky Santoro (Joe Pesci) amplia esse contraste. Enquanto Ace opera por raciocínio, Nicky opera por intensidade. Para ele, influência se afirma pela força direta, não pela prudência. Essa divergência não representa apenas dois estilos, mas duas maneiras de interpretar autoridade. O choque entre essas perspectivas não surge como simples conflito pessoal; é a demonstração de que uma organização sustentada pela violência indireta inevitavelmente degenera quando a brutalidade deixa de ser exceção e passa a ser método.

Ginger McKenna (Sharon Stone) desloca o eixo da história ao expor a fragilidade emocional de Ace. Ele tenta enquadrá-la dentro da mesma lógica que usa para administrar o cassino, como se o vínculo afetivo pudesse ser reduzido a previsibilidade. Ginger, no entanto, é guiada por impulsos que ele se recusa a compreender. Sua trajetória funciona como fissura no projeto de Ace, revelando o erro de subestimar forças que escapam ao cálculo. A performance de Sharon Stone aprofunda essa ambiguidade sem recorrer a caricaturas: sua personagem é movida por desejo de autonomia, apego ao passado e incapacidade de permanecer em qualquer espaço que exija estabilidade.

O retrato dos bastidores de Las Vegas é um dos pontos mais rigorosos do filme. As estratégias para lidar com fraudes, as hierarquias internas que regulam as operações e o fluxo subterrâneo de dinheiro que atravessa instituições legais e ilegais formam uma estrutura moral própria. O interesse dessa camada não está na excentricidade dos cassinos, mas na disciplina quase burocrática com que irregularidades são tratadas como parte do cotidiano. A violência existe, mas funciona como instrumento, não como espetáculo.

A participação de Nicky nesse ambiente evidencia a tensão entre método e impulsividade. Sua função como enforcer o coloca numa posição incômoda: ele protege Ace, mas simultaneamente ameaça o sistema que deveria sustentar. Pesci interpreta esse desequilíbrio com brutalidade contínua, sem suavizações psicológicas. Seu personagem não representa um indivíduo excepcionalmente cruel, mas o ponto em que o sistema revela sua essência.

O figurino de Ace desempenha papel simbólico: ele começa com combinações discretas, alinhadas ao controle que imagina exercer, e gradualmente passa a adotar cores mais chamativas conforme a desordem avança. É um comentário visual sobre a deterioração de sua racionalidade. O personagem confunde confiança com infalibilidade, e a forma como se veste traduz a corrosão silenciosa desse projeto.

Comparações com outras produções do mesmo diretor são inevitáveis, mas pouco produtivas se focadas apenas em intensidade dramática. “Casino” interessa pelo rigor com que analisa a manutenção do poder, e não pela escala de seus conflitos. É um estudo sobre sistemas que funcionam enquanto todos aceitam regras tácitas que ninguém controla por completo. Ace e Nicky acreditam que dominam esse território, quando, na verdade, estão subordinados a engrenagens que operam independentemente de suas intenções.

A narrativa não busca absolver nem condenar seus personagens. Ela examina como homens convencidos de sua própria lucidez ignoram os limites que estruturam o ambiente em que se inserem. O colapso que se forma ao redor deles não decorre de um erro central, mas de uma soma de decisões sustentadas pela arrogância de quem supõe estar acima de qualquer consequência.

“Casino” permanece relevante porque observa o poder sem idealizações. Em vez de glorificar a força ou a ambição, revela o desgaste inevitável de modelos que acreditam se sustentar apenas pela competência individual. Ao final, fica claro que o que ruína não são inimigos externos, mas a recusa em reconhecer que nenhum sistema sobrevive quando seus protagonistas se empenham em ignorar as próprias vulnerabilidades.

Filme: Cassino
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 1995
Gênero: Crime/Drama/Épico
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.