“Em Chamas” respira tragédia e o desastre natural é uma metáfora do colapso humano. A história, centrada em uma família encurralada por um incêndio florestal de proporções apocalípticas, dispensa a grandiloquência habitual dos thrillers de catástrofe. O que o filme mostra é um retrato seco, quase íntimo, da vulnerabilidade que sobra quando o mundo ao redor se dissolve em chamas. A cada labareda, há o eco de uma pergunta silenciosa: quanto da nossa humanidade ainda resta quando o instinto de sobrevivência assume o comando?
Nick Lyon e Peter Facinelli constroem sua narrativa com uma clareza que surpreende pela ausência de artifícios. O fogo, aqui, não é apenas um inimigo físico, é um personagem moral. Ele consome árvores, casas, mas também certezas. O que começa como uma fuga desesperada logo se transforma em um teste de consciência. O pai tenta proteger o filho enquanto o desespero o conduz a decisões que jamais tomaria em circunstâncias normais. A mãe, dividida entre o medo e a razão, assume o papel de equilíbrio emocional num terreno onde até o ar é traiçoeiro. Não há vilões nem heróis, apenas pessoas sendo esmagadas pelo peso de sua própria fragilidade.
“Em Chamas” não sentimentaliza o óbvio. Lyon, que também assina o roteiro, aposta em uma mise-en-scène quase documental, onde o caos não é estilizado, mas sentido. A câmera acompanha a família com proximidade sufocante, fazendo o espectador partilhar o pânico de cada estalo, cada centelha que ameaça transformar o quadro seguinte em inferno. A fotografia de Philip Roy reforça essa tensão: entre o fascínio pela beleza das chamas e o horror do que elas significam, ele cria uma atmosfera paradoxal, tão hipnótica quanto mortal. É o tipo de beleza que destrói, e o filme não se esquiva dessa contradição.
Ainda que alguns efeitos digitais revelem as limitações orçamentárias da produção, o realismo emocional compensa qualquer imperfeição técnica. O elenco, liderado por Facinelli, Fiona Dourif e Asher Angel, entrega interpretações de uma honestidade desconfortável. Não há espaço para heroísmo hollywoodiano: apenas corpos sujos, feridos e exaustos, tentando manter um mínimo de lucidez diante do colapso. Quando o fogo se aproxima, não há tempo para arrependimentos nem planos elaborados, apenas para o impulso. E é nesse gesto primário que o filme encontra sua verdade.
Mas o que torna “Em Chamas” inquietante é o subtexto que o percorre. As estatísticas sobre hectares destruídos e vidas perdidas funcionam menos como rodapé informativo e mais como denúncia moral. A catástrofe natural é, em última instância, um espelho das escolhas humanas, do descuido ambiental, da arrogância tecnológica e da ilusão de controle. O filme não grita essa crítica; ele a sussurra entre o crepitar das chamas, com a serenidade de quem sabe que o verdadeiro terror não está na natureza, mas em nós.
É fácil ver “Em Chamas” como apenas mais um drama de sobrevivência. Difícil é encará-lo como o retrato lúcido de uma espécie que, há muito, brinca com o próprio fim. Lyon e Facinelli parecem saber disso: seu filme não oferece redenção, tampouco esperança. Ele apenas nos obriga a observar, e aceitar, que, quando tudo queima, o que resta não é o herói, mas o humano. E talvez essa seja, paradoxalmente, a faísca mais verdadeira de todas.
★★★★★★★★★★