Poucos filmes começam tão bem e terminam tão perdidos quanto “Extermínio: A Evolução”. O primeiro ato é uma paulada: a câmera nervosa, os planos sujos, aquele caos suado e instintivo que a gente reconhece de longe. Há uma brutalidade elegante ali, uma sensação de que o mundo acabou, mas a direção ainda tem algo a dizer sobre o que resta. O cenário é devastador, a tensão é palpável, e os infectados voltam a ser o que deveriam ser desde o início: o espelho distorcido da nossa própria raiva. É o tipo de cinema que te prende pela garganta e te lembra o prazer primitivo de ter medo. Pena que o encanto dura pouco. Quarenta e cinco minutos, para ser exato.
Porque, assim que o filme decide “ficar sério”, ele se desmancha. O horror visceral dá lugar a uma espécie de drama familiar meloso, com direito a mãe doente, filho confuso e dilemas morais que soam importados de uma novela mal editada. O problema não é o tom, é o desequilíbrio. A história parece ter passado por tantas mãos que perdeu a própria identidade: metade thriller apocalíptico, metade sessão de terapia improvisada. O que antes era tensão vira tédio, e os personagens começam a tomar decisões tão absurdas que nem o vírus explicaria. De repente, aquele universo claustrofóbico e violento se transforma num grande campo de absurdos narrativos.
O roteiro tropeça em cada tentativa de construir profundidade. Introduz novos tipos de infectados, mais fortes, mais altos, mais… atléticos? Sem se dar ao trabalho de explicar o porquê. Um nasce alfa, outro dá à luz (sim, literalmente), e o espectador fica se perguntando se caiu num spin-off paródico de “The Walking Dead”. Há também a tal “mensagem política”, que tenta ser sagaz, mas acaba parecendo panfleto apressado: isolamento como metáfora do Brexit, bandeiras queimando, arquivos de guerra intercalados. Tudo ali, gritando por relevância. E quanto mais o filme grita, menos se escuta o que realmente importava: a angústia silenciosa que definia os dois primeiros capítulos da trilogia.
Ainda assim, há lampejos de talento. A fotografia continua deslumbrante, um apocalipse bonito de ver, o que é quase um paradoxo. A trilha, pontual e melancólica, carrega uma nostalgia que o roteiro não merecia. E a direção, mesmo nas partes confusas, mantém certo pulso visual que impede o desastre completo. Mas nada disso salva a sensação de que alguém, em algum momento, decidiu sabotar a própria história. A primeira metade é o filme que prometia renascer a saga; a segunda, o lembrete de que nem todo vírus é letal, alguns só adormecem a criatividade.
“Extermínio: A Evolução” não é exatamente ruim. É pior que isso: é esquecível. O tipo de sequência que existe apenas para justificar a própria existência, com cheiro de interferência de estúdio e pressa de franquia. Fica a impressão de que o diretor queria fazer outro filme, os roteiristas queriam encerrar a trilogia e o produtor só queria pagar as contas. Resultado: uma colcha de retalhos ambiciosa e incoerente. Quando a tela se apaga e as luzes se acendem, a pergunta inevitável é: valeu a pena esperar quase três décadas por isso? A resposta, infelizmente, é tão morna quanto o segundo ato.
Se há alguma redenção possível, talvez venha no próximo capítulo, caso Cillian Murphy resolva ressuscitar o espírito do original. Por enquanto, resta esse híbrido indeciso: meio terror, meio drama, meio piada involuntária. Um filme que começa gritando e termina cochichando. O apocalipse, aqui, não é o fim do mundo, é o fim da paciência.
★★★★★★★★★★