Há filmes que parecem feitos à mão, com o cuidado de quem costura lembranças, e “Os Rejeitados” é um deles. Alexander Payne, que há anos vem burilando o olhar sobre o homem comum americano, retorna aqui àquilo que talvez seja seu território mais legítimo: o das pequenas existências, dos dias que não parecem ter importância, mas guardam o peso de uma vida inteira. É uma história que se passa no Natal dos anos 1970, em um internato rígido da Nova Inglaterra, mas poderia se desenrolar em qualquer época, porque fala do que resta quando tudo ao redor exige perfeição e sucesso: o desamparo.
O filme acompanha Paul Hunham (Paul Giamatti, em atuação monumental), professor de história com ar pedante e amargurado, que se vê encarregado de cuidar dos alunos que não têm para onde ir nas férias. Entre eles está Angus (Dominic Sessa, um achado), adolescente brilhante e insuportável, cuja inteligência é tanto uma arma quanto um escudo. Juntos, eles compartilham o confinamento com Mary (Da’Vine Joy Randolph, sublime), cozinheira da escola que carrega o luto recente pela perda do filho na Guerra do Vietnã. São três solitários que, sem querer, formam uma espécie de família disfuncional, unida não por laços sanguíneos, mas por um cansaço parecido diante do mundo.
Payne, que em Sideways e Nebraska já havia explorado a fragilidade humana com humor e melancolia, atinge aqui um ponto de rara harmonia entre tom e tema. A mise-en-scène é de uma contenção exemplar: os enquadramentos simétricos e a textura ligeiramente granulada recriam a estética dos dramas dos anos 1970 sem cair na armadilha da nostalgia decorativa. A fotografia de Eigil Bryld, com sua paleta de tons quentes e foscos, traduz o passado não como um fetiche, mas como lembrança imperfeita, o tipo que a memória insiste em colorir com um pouco mais de luz do que realmente havia.
O roteiro, coassinado por David Hemingson, é um equilíbrio raro entre ironia e empatia. Cada diálogo, por mais prosaico que pareça, revela camadas de ressentimento, culpa e desejo de pertencimento. Payne entende que o humor, quando brota da dor, é a forma mais honesta de ternura. E é isso que faz “Os Rejeitados” tão profundamente humano: ele nunca tenta redimir seus personagens, apenas os observa até que se tornem compreensíveis.
A trilha sonora, um conjunto de canções que poderiam tocar num rádio velho esquecido na cozinha, costura as cenas como quem acaricia um silêncio. Não há sentimentalismo, mas uma melancolia elegante, quase discreta. É como se o filme inteiro respirasse num compasso lento, esperando que o espectador perceba a beleza de algo que não quer se mostrar.
No centro de tudo está Giamatti, entregando uma das interpretações mais tocantes de sua carreira. Seu Paul é grotesco e nobre, sarcástico e vulnerável, alguém que parece ter desistido do mundo, mas que secretamente espera ser salvo por ele. Dominic Sessa, estreante, é a revelação que dá equilíbrio à balança: sua insolência tem delicadeza, e sua tristeza, um tipo raro de lucidez juvenil. Da’Vine Joy Randolph, por sua vez, dá à personagem uma presença quase sagrada, sua dor é o que ancora o filme à realidade.
Há quem veja em “Os Rejeitados” como uma espécie de feel good movie disfarçado de drama existencial, mas isso seria reduzi-lo. O filme é, antes, um elogio ao fracasso, àquilo que sobra quando a vida não entrega o que prometeu. Payne parece querer nos lembrar que há beleza em não ser extraordinário, que há dignidade em simplesmente suportar o inverno. No fim, o que resta são gestos mínimos: um olhar de cumplicidade, um toque desajeitado, um silêncio compartilhado. Coisas pequenas, mas que no cinema de Payne têm o peso de uma redenção.
“Os Rejeitados” é um desses filmes que parecem vindos de outro tempo, não por nostalgia, mas por coragem. A coragem de ser simples, de olhar para a solidão sem medo, e de acreditar, ainda, que a compaixão pode nascer entre pessoas imperfeitas. Payne nos dá, enfim, um retrato da humanidade em seu estado mais cru e, paradoxalmente, mais belo: aquele em que o amor não se declara, mas se insinua, tímido, como a neve que começa a cair do lado de fora.
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