Com produção de Francis Ford Coppola, roteiro de José Rivera e direção do brasileiro Walter Salles, “On the Road” transpõe para as telas a magnum opus homônima de Jack Kerouac, lançada em 1957, doze anos antes de sua morte por cirrose. É preciso dizer que qualquer tentativa de levar a obra para as telas não deve ter sido nada fácil, porque a narrativa não se constrói nos moldes tradicionais, com uma história linear com começo, meio e fim. O texto é uma prosa que segue o fluxo dos pensamentos do autor, com ritmo atropelado, cadência musical (mais especificamente o jazz), roman à clef e uma das principais publicações do movimento Beat.
Levar para as telas, naturalmente, faz com que a obra ganhe uma tradução visual para as ideias de Kerouac, que muitas vezes alimentam uma fantasia na mente do leitor. Por outro lado, o cinema condensa e racionaliza as digressões, parecendo menos espontâneo e transcendental do que a experiência narrada no livro. Salles ficou longos anos desenvolvendo o projeto antes de concretizá-lo, justamente pela responsabilidade que significava representar um texto tão importante para a contracultura norte-americana. Mas foi feliz ao usar sua experiência em “Diários de Motocicleta” para esculpir o tom realista, cru e errante.
Uma das principais características do filme, e que traz esse tom mencionado acima, é a fotografia de Éric Gautier. Rodado em película, com uso de câmeras Aaton Penelope e lentes Angénieux Optimo 28-76 mm, proporcionando granulação e resposta tonal coerente com a década em que a história se passa, entre os anos 1940 e 1950, o enquadramento abre em cenas externas e fecha em internas, além de abusar de reflexos como molduras, seja em espelhos, para-brisas ou janelas, sugerindo que o personagem está em deslocamento.
A trilha sonora, composta por Gustavo Santaolalla, dá ritmo à narração do protagonista e dialoga com as cenas, traduzindo pelo som a efervescência cultural dos tempos, o tesão, a fome de viver e a amizade latente. O enredo gira em torno do próprio Kerouac, que assume o alter ego Sal Paradise (Sam Riley). Encantado com o amigo Dean (Garrett Hedlund), alter ego de Neal Cassady, um jovem magnético, viciado em sexo e que abraça intensamente a vida. Sal é um escritor tímido e tenta capturar do amigo essa impetuosidade e parece alimentar, pela amante dele, Marylou (Kristen Stewart), uma admiração romântica. Allen Ginsberg também é representado através de Carlo (Tom Sturridge), que vive um amor não correspondido por Dean. William S. Burroughs é Bull (Viggo Mortensen), vivendo com sua esposa e filhos em uma casa de campo, em contato com a natureza e a transcendência através do consumo recorrente de ópio.
O filme não faz juízo de valor ao estilo de vida dos personagens, apenas busca traduzir em imagens as palavras enfeitiçadas e sedutoras de Kerouac, que parecia enxergar a vida através de um prisma muito mais espiritualizado e pujante que o nosso. Com um orçamento de 25 milhões de dólares, “On the Road” arrecadou 8 milhões, trazendo prejuízos para os investidores. Além disso, as críticas foram mistas. Um dos principais pontos apontados pelas avaliações é o de que o filme seria “contido” e “respeitoso” demais. Particularmente, acho a fotografia do longa-metragem arrebatadora, e as atuações, ambientações e cenografia, além, principalmente, da trilha sonora, me transportaram imediatamente para dentro da história de um dos meus livros favoritos.
★★★★★★★★★★