Há algum tempo, mulheres desdobram-se em duas, em três, em 150 para dar conta de filhos, carreira, casa, marido e, por óbvio, de si próprias, às vezes nessa ordem, obrigadas a continuar no mesmo corpo, em condições muito diferentes às de quem trilhou caminhos paralelos aos seus e, o pior, sem dispor da ajuda daqueles que juram partilhar com elas a fortuna e a rafa, o vigor e o morbo. Relacionamentos podem virar aprendizado para gente madura porque alcançam pontos sensíveis das emoções menos óbvias, e é aí que “Manutenção Necessária” tenta sair do banal e oferecer elementos para que o público envolva-se com o que é contado. Em seu primeiro longa de ficção, Lacey Uhlemeyer apresenta uma comédia romântica que maneja bem a fórmula da rivalidade que vira namoro, oferecendo ainda momentos de tensão que Uhlemeyer e as corroteiristas Roo Berry e Erin Falconer resolvem sem muita dificuldade, valendo-se do carisma do elenco. Mas há um embaraço grave por trás desse bom propósito.
Pensar que existe uma receita para que mulheres e homens de origens, culturas, visões de mundo as mais diversas entendam-se quase sempre, restando uma ou outra ponta que a cama encarrega-se de arredondar é de uma ingenuidade que comove, e “Manutenção Necessária” vibra nessa frequência. Embora não assuma, a diretora revisita “Mensagem para Você” (1998), a clássica comédia romântica de Nora Ephron (1941-2012), mudando livros em automóveis e substituindo Meg Ryan e Tom Hanks por um casal de millennials. Aqui, Charlie, a proprietária de uma oficina mecânica voltada ao atendimento de motoristas do sexo feminino, tem se ouriçado por causa da concorrência desleal contra um estabelecimento maior — e de clientela mais numerosa, uma vez que recebe a todos — do outro lado da cidade. Anonimamente, ela conversa online com um homem que a encoraja a perseverar, e qualquer pessoa que já tenha assistido ao filme de Ephron sabe como isso acaba.
O que vem a seguir é uma sucessão de cenas análogas a “Mensagem para Você” com novos retoques. Em vez de Charlie conhecer Beau, seu candidato a parceiro, numa das tantas salas de bate-papo do AOL, eles trocam impressões sobre motores e tecnologias correlatas num fórum do Reddit, uma das sacadas originais do roteiro, além da trilha sonora alegre e grudenta de Rob Lord. Igualmente a Ryan e Hanks, Madelaine Petsch e Jacob Scipio têm química, mas pouco podem fazer para levantar uma narrativa equivocada desde o começo e, pior, que tapeia o espectador de maneira tão flagrantemente desabrida. “Manutenção Necessária” é bem… desnecessário.
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