O melhor filme do último ano está no Prime Video Divulgação / A24

O melhor filme do último ano está no Prime Video

Um arquiteto judeu-húngaro desembarca nos Estados Unidos após sobreviver à guerra e quer reconstituir a vida com a esposa, proteger o que restou da família e provar que seu talento sustenta um futuro digno. “O Brutalista”, dirigido por Brady Corbet, encena esse conflito por meio de László Tóth, vivido por Adrien Brody, que aceita o patrocínio do industrial Harrison Lee Van Buren, interpretado por Guy Pearce, enquanto Felicity Jones faz a esposa, Erzsébet. A relação entre artista e financiador organiza a narrativa porque cada tarefa aceita por László altera objetivos, riscos e prazos. O filme situa o recomeço na Pensilvânia, onde Van Buren enxerga oportunidade ao explorar a visão de László, por isso trabalho e dependência passam a caminhar juntos.

O objetivo inicial é pragmático: László precisa de base legal e econômica para reunir-se à esposa, recuperar dignidade profissional e sair do circuito de pequenos trabalhos. Quando Van Buren oferece moradia, ateliê e encomendas, László decide aceitar porque quer acelerar a reunião familiar e ganhar escala para projetar. Por isso, a assinatura do contrato não apenas abre portas como também fixa condições de crédito criativo e prazos que encurtam a margem de recusa. A partir daí, cada maquete validada pelo patrono desloca o foco do protagonista: ele passa de autor pleno a prestador de serviço com expectativas de grandeza que não são dele.

O primeiro obstáculo tem rosto doméstico. Ao perceber a assimetria embutida no convite, Erzsébet mede o custo de uma vida sob tutela do benfeitor. A decisão do casal de permanecer no enclave do empregador garante estabilidade imediata, porque há renda e estrutura, mas muda a hierarquia privada: visitas, festas e rotinas obedecem ao calendário de Van Buren. Por isso, discussões íntimas sobre educação, fé e costumes se tornam extensões de negociações de obra. O filme explicita essa causalidade quando contrapõe encontros sociais a reuniões de projeto: a mesma palavra de aprovação que libera verba impõe novas concessões de linguagem, acabamento e propósito do edifício.

O segundo obstáculo é moral. Quando o industrial condiciona novos investimentos ao abandono de referências europeias, László precisa decidir se adapta a forma ao gosto do patrono ou se preserva uma memória material que ancora sua identidade. Porque o contrato prevê propriedade sobre encomendas, a recusa pode significar perda de visto, renda e equipe. Assim, a curva dramática nasce do choque entre necessidade e convicção: cada concessão salva um emprego, mas corrói a linha autoral que amarra passado e presente do protagonista.

As viradas se somam. Em um jantar, quando tensões acumuladas chegam à mesa, uma cobrança direta sobre condutas da família Van Buren força reposicionamento. László decide não interromper a parceria imediatamente porque precisa concluir etapas que garantem estabilidade para a esposa e para quem depende dele. Por isso, aceita um cronograma que o mantém sob vigilância do patrono, ao mesmo tempo em que redobra estratégias para resguardar paternidade artística de peças-chave do complexo. O efeito imediato é duplo: o industrial amplia o controle sobre o entorno do arquiteto e a casa do casal passa a operar em estado de alerta, com conversas calculadas e apelos por prudência.

A técnica entra quando muda o tempo dramático. O filme adota estrutura dilatada, com cerca de três horas e meia e um intervalo programado. Essa pausa altera a percepção de avanço porque separa etapas da relação entre autor e financiador, oferecendo ao espectador um respiro que imita as quebras de obra entre aprovação e execução. Quando a narrativa retorna, o intervalo funciona como salto de cronograma, por isso a urgência dos personagens se intensifica. O uso de película em processo de captação associado ao VistaVision amplia campo e profundidade, o que permite enquadrar o corpo dos personagens dentro de volumes arquitetônicos sem distorção, deslocando o foco do ornamento para a massa e para a escala do poder que a financia. Essas escolhas técnicas não ilustram; elas reorganizam a informação ao situar pessoas menores diante de planos que pertencem ao patrono e não aos autores.

A música de Daniel Blumberg entra como ferramenta de pressão porque marca atrasos, reuniões e cobranças. Quando a pauta dos instrumentos sobe em insistência durante visitas de Van Buren ao canteiro, a trilha desloca o ponto de vista para a ansiedade do contratado. Por isso, a tensão que antes estava em diálogos passa a mover a contagem do tempo, e cada batida indica que o prazo administrativo pesa mais que o gesto criativo. A montagem, por sua vez, alterna sequências domésticas e institucionais, o que encurta a distância entre o escritório e a sala de jantar, reforçando que a tutela do benfeitor contaminou por inteiro a vida do casal.

A atuação de Adrien Brody investe no cálculo silencioso porque László mede riscos antes de responder. Quando o protagonista aceita uma alteração imposta por Van Buren para salvar a continuidade da obra, o efeito é visível no corpo: o arquiteto recolhe argumento, cede no desenho e reorganiza o plano seguinte para recuperar, em outra peça do conjunto, uma solução que preserva sua linguagem. Guy Pearce conduz o patrono como alguém que transforma generosidade em instrumento de domínio; assim, cada elogio abre caminho para uma cláusula nova. Felicity Jones constrói Erzsébet com decisões práticas que repercutem no conflito: quando ela enfrenta a família do industrial em defesa do marido, acelera a crise, porque expõe publicamente o cálculo moral que até então corria em privado.

Comparações ajudam a ver a estratégia narrativa. Como em “Sangue Negro” e “Era uma Vez na América”, títulos que também relacionam ascensão individual e custo social, Corbet posiciona um protagonista ambicioso diante de um financiador que confunde afeto com propriedade. A diferença está no uso do espaço construído como contador de tempo: a cada laje, muda a força de quem decide. Quando o prédio ganha altura, aumenta o capital simbólico do patrono, e o autor precisa reprogramar táticas para inscrever sua marca sem romper o acordo.

O momento decisivo chega quando Van Buren exige um gesto que altera a autoria do empreendimento e atinge a família de László. O arquiteto precisa escolher entre aceitar a condição para garantir a conclusão e a permanência no país ou romper, sabendo que perde financiamento e arrisca dispersar a equipe. Porque essa decisão tem efeito administrativo imediato, ela desce do plano das ideias para o calendário: contratos param, pagamentos travam e a obra fica vulnerável à intervenção do patrono.

Van Buren condiciona a liberação de recursos a uma assinatura que reduz o crédito de László e submete o escritório a um regramento humilhante. O protagonista avalia impacto sobre a esposa e sobre os colaboradores porque cada nome apagado significa afastamento de aliados e fragilização do trabalho. A escolha que ele faz altera de imediato a dinâmica no canteiro e a circulação da família, que passa a evitar compromissos sociais ligados ao patrocinador. O risco objetivo permanece claro: sem autonomia, o edifício pode carregar uma marca que não corresponde ao autor; sem acordo, a casa do casal perde renda e proteção legal.

Filme: O Brutalista
Diretor: Brady Corbet
Ano: 2024
Gênero: Drama/Épico
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★