Território ainda intocado pela dureza da vida adulta, a juventude é a fase da experimentação, o que inclui, por óbvio, o sexo. A descoberta do desejo leva a conflitos, que por sua vez exigem que se passe por cima das regras draconianas da moral e enfrente-se qualquer um que queira tolher a liberdade mais básica do indivíduo.
Jovens veem-se divididos entre a curiosidade e o medo, entre a chance do prazer e a culpa fomentada por discursos tirânicos. A repressão não elimina o instinto, só o disfarça de silêncio e vergonha. Os verdes anos são uma grande escola, onde aprende-se a escamotear e a fazer a barganha dos anseios. Muito já se avançou nessa seara, em especial quando volta-se à Inglaterra da década de 1960, cenário de “Na Praia de Chesil”. A célebre faixa de cascalho à beira-mar em Dorset, sudoeste da Inglaterra, serve de testemunha ao amadurecimento de um casal ingênuo, que se choca-se contra um oceano de questões, dúvidas, preconceitos, tentando não soçobrar nas ondas da tacanhice. Dominic Cooke transporta quem assiste a uma espécie de dimensão paralela, rica em detalhes e não é para menos. O roteiro de Ian McEwan a partir de “Na Praia” (2007), romance também escrito pelo britânico, não deixa pedra sobre pedra.
Em 1962, Florence Ponting e Edward Mayhew chegam à costa do Canal da Mancha para sua lua de mel. Os dois parecem crianças brincando de casinha e apesar de haver uma cama no quarto é difícil acreditar que eles usem-na para algo mais que repousar depois de longos passeios pela paisagem bucólica de Chesil. Flashbacks mostram como eles se conheceram, incluindo um jantar à base de rosbife e ervilhas de neve com os pais dela, oportunidade que o diretor usa para esmiuçar os temperamentos de Violet e Geoffrey, os personagens de Emily Watson e Samuel West. Edward é filho de Lionel e Marjorie, um estoico professor e uma artista plástica que luta contra a esquizofrenia depois de um acidente estúpido com um trem, e quanto mais impõem-se as diferenças, mais se sentem atraídos um pelo outro. Os pais de Florence conhecem políticos influentes e filósofos como Iris Murdoch (1919-1999), e ela esbarra com Edward numa reunião da Campanha pelo Desarmamento Nuclear em plena efervescência dos conflitos bélicos que sacodem o globo. Entre palavras de ordem e passeatas pelas ruas de Londres, sobra espaço para incursões a bares nos quais escuta Chuck Berry (1926-2017) e enxuga umas garrafas. E o tempo vai passando.
Em boa parte do livro, McEwan descreve o incômodo de Florence e Edward com o sexo. Sensações como inquietude e nojo projetam-se dele para a esposa e vice-versa, mas Cooke recorre a um subtexto que valoriza olhares e gestos que se perdem no ar, contornando o andamento melodramático e a caricatura. Numa das cenas mais importantes, a intimidade degringola em aversão e ofensas, mas não é exagerada. Uma lua de mel sem o intercurso sexual seria um desastre em qualquer relação e aqui também. A obra de McEwan é uma ode aos amores patológicos, e se em “Serena” (2012) o autor brinca com uma anti-heroína pequeno-burguesa que torna-se espiã do MI5 para aplacar o tédio, em “Na Praia de Chesil” a libido que espere. Como em “Lady Bird: A Hora de Voar” (2017) e “Adoráveis Mulheres” (2019), ambos dirigidos por Greta Gerwig, e, principalmente, “De Volta ao Mar” (2024), de Nora Fingscheidt, Saoirse Ronan personifica uma mulher destemida, porém cheia de contradições, com tal verve que estrangula a performance de Billy Howle. Uma grata surpresa é Anne-Marie Duff na pele de Marjorie; suas aparições bissextas ensinam um pouco mais sobre comportamentos tidos por escandalosos, mas que apenas revelam uma mulher que libertou-se da hipocrisia das convenções do jeito mais radical.
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