O melhor suspense criminal da Netflix em 2025 acabou de estrear — e vai te fazer querer ficar em casa para assistir Allyson Riggs / Netflix

O melhor suspense criminal da Netflix em 2025 acabou de estrear — e vai te fazer querer ficar em casa para assistir

Num mundo degenerado, vítima de uma incessante contaminação por pensamentos teratológicos de todas as categorias, de valores apodrecidos pela influência maléfica de quem deveria dar o exemplo, ainda cabe falar-se em moralidade, decoro, decência, ou isso é, agora mais do que nunca, coisa para sonhadores, ingênuos, palermas? Essa é uma das perguntas que Benjamin Caron levanta em “A Noite Sempre Chega”, um neo-noir com muito da estética do gênero que pega o espectador pelo contrapé. Caron inspira-se em alguns dos excelentes trabalhos de Quentin Tarantino, David Fincher, James Foley e Martin Scorsese, mas trata de imprimir personalidade a seu longa por meio de uma anti-heroína que luta com todas as suas forças para escapar da perdição, mas que também só precisa do motivo mais banal para jogar-se com tudo na cova dos leões. Adaptado do livro homônimo lançado pelo escritor e músico Willy Vlautin em 2021, o roteiro de Sarah Conradt concentra em Lynette, a personagem central interpretada por Vanessa Kirby, reflexões sobre vulnerabilidade social, violência, desagregação familiar e o pouco caso das autoridades, tecendo uma história que foge ao óbvio.

Lynette, a mãe, Doreen, e Kenny, o irmão mais velho, moram numa casa sucateada às margens de uma rodovia em Portland, mas esse está longe de ser o problema. Há algum tempo ela vem tentando quitar os cinquenta mil dólares da hipoteca do imóvel, mas sempre acontece alguma emergência e o dinheiro some. Ela consegue, afinal, juntar a metade da quantia, esperando que Doreen compareça com a outra parte do montante, sem saber que a mãe gastara seus 25 mil na entrada de um carro zero. O constrangimento de ter ido até a imobiliária apenas para ver o negócio escapar-lhe pelos dedos é a tônica durante os 108 minutos, com Lynette pulando do emprego formal numa empresa de panificação para as mesas coalhadas de gente de um inferninho, esmerando-se por levar uma vida menos ordinária. Ela disfarça o quanto pode a frustração e a tristeza, mantendo encontros furtivos com homens casados para arrecadar alguns tostões a mais. Quando vai ao saguão do hotel onde Scott está hospedado, já se abateu sobre ela a tragédia do despejo iminente. Ocorre-lhe uma ideia louca para recuperar a chance de negociar a posse da casa depois que o cliente eventual a dispensa, e então se inicia uma corrida frenética, em que Lynette percorre todos os buracos da cidade a fim de realizar seu sonho insano.

Ela pega a chave da Mercedes-Benz que Scott esquecera na cabeceira da cama e sai com o carro sem muita ideia do que fazer, até que se lembra que Gloria, uma garota com quem tinha o hábito de dividir programas com empresários ricos, deve-lhe três mil dólares. Lynette aparece de surpresa no apartamento da amiga, que mantém um cofre, de onde tira apenas um sexto da dívida. Como trata-se de um filme, Gloria sai e deixa que a outra fique, e claro que Lynette tenta abrir aquela arca de aço e mantas de aramida. Como não consegue, vai-se embora, outra vez sem rumo, até avistar Cody, um colega com quem trabalha nas horas vagas, se dirigindo para o ponto de ônibus. Lynette sabe que ele já esteve na cadeia e intui que o rapaz saiba arrombar cofres, e então “A Noite Sempre Chega” mergulha na escuridão que promete desde os primeiros movimentos, realçada pela fotografia de Damián García. Lynette e Cody seguem para a periferia, onde mora um sujeito conhecido dele experimentado em serviços sujos e quando vê o que havia dentro do cofre do namorado de Gloria, sabe que aquilo não pode acabar bem. Vanessa Kirby e Stephan James protagonizam os melhores lances do enredo, marcado pela tensão e por detalhes que exigem do público toda a atenção, especialmente depois que Kenny passa a acompanhar a irmã caçula. Zack Gottsagen, uma pessoa com síndrome de Down, confere uma bem-vinda dose de pueril inocência em meio à degradação moral de Lynette e Cody, materializada em imagens retratando o baixo meretrício e o narcotráfico. Os expedientes a que Caron recorre para sustentar a redenção de sua anti-heroína, seguida de uma bela passagem levada por Lynette e a mãe, interpretada com vigor por Jennifer Jason Leigh, vêm como o sol, ansioso por brilhar ao cabo de uma longa madrugada diabólica.

Filme: A Noite Sempre Chega
Diretor: Benjamin Caron
Ano: 2025
Gênero: Crime/Suspense
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.