O filme mais bonito que você verá na Netflix neste fim de semana Divulgação / Paramount Pictures

O filme mais bonito que você verá na Netflix neste fim de semana

Às vezes é necessário ir para muito longe a fim de sentir-se em casa. Estamos todos à procura de nosso lugar no mundo, a maioria com todos os atravancos, dando com a cara na porta e quebrando a cabeça até ou serem aceitos ou se persuadirem de que alguma coisa não se encaixa e é mister continuar essa busca noutra parte. Existem pessoas que atravessam a sua jornada sentindo as dores do crescimento, fenômeno que, por curioso que pareça, tem mesmo um fundo científico, mas que deveria restringir-se à fisiologia, e só até a cessação da puberdade. Essa é uma das conclusões a que se chega ao final de “As Crônicas de Spiderwick”, um conto sobre autoconhecimento em que o diretor Mark Waters amalgama dilemas existenciais, solidão e morte à urgência que a vida de tem acontecer, não importa quão hostil seja o cenário. Baseado na série de livros de Holly Black ilustrados por Tony DiTerlizzi, o roteiro de David Berenbaum, Karey Kirkpatrick e John Sayles narra as agruras de uma mulher no fim do casamento que leva os três filhos para morar numa velha mansão.  Depois desse ponto, os quatro passam a repensar suas escolhas, quem sabe adaptando-se às esquisitices do novo lar.

Helen Grace ganhou o casarão como herança de Lucinda Spiderwick, filha de Arthur Spiderwick, um tio-avô que vira poucas vezes, o argumento perfeito para que Waters mencione os diferentes níveis de desagregação familiar que vem se abatendo sobre os Spiderwick. Arthur era o guardião de um mundo invisível, habitado por goblins, espíritos, duendes, ogros, trolls e grifos, que por sua vez podem assumir formas diversas. Helen acabou de se separar do pai dos gêmeos Jared e Simon e Mallory, e enfrenta uma onda de rebeldia, incompreensão e silêncios, sem que o pai das crianças se manifeste. Jared é quem expressa mais efusivamente seu desconforto enquanto Simon prefere isolar-se, e Freddie Highmore vai galhardamente de um para outro personagem, costurando as cenas em que o lado “normal” do clã se depara com uma despensa forrada de mel e molho de tomate e paredes que escondem um elevador de pratos e relíquias tragadas pela bruma corrosiva do tempo. Coincidência ou não, objetos começam a desaparecer e minutos depois os irmãos encontram a passagem que os leva a uma dimensão paralela, o atual paradeiro do velho Spiderwick. 

A partir do segundo ato, Waters mistura algumas intensidades de ação a drama e, claro, aventura, dando ao espectador a sensação de que viaja com os meninos. Lá do outro lado da vida, efeitos especiais garantem o vigor da experiência, e Jared, Simon e Mallory, interpretada por Sarah Bolger, estreitam os vínculos com criaturas feito Gritalhão e Tibério, dublados por Seth Rogen e Martin Short, respectivamente, observados de perto pelo ameaçador bruxo Mulgarath, de Nick Nolte. Apesar de meio esquecido em boa parte do longa, David Strathairn rouba a cena ao sublinhar uma melancolia sutil e o remorso que continua a martirizar o Spiderwick mais antigo, até que ele tem, afinal, a oportunidade de rever Lucinda, uma participação afetiva e memorável de Joan Plowright (1929-2025). O mesmo não se pode dizer de Mary-Louise Parker, sempre muitos tons acima, fazendo de Helen uma histérica que se nega a acreditar nos filhos não obstante aquela realidade esdrúxula imponha-se. O final feliz, à moda dos contos de fadas, sustenta que este plano oculta mais mistérios do que imaginamos.

Filme: As Crônicas de Spiderwick
Diretor: Mark Waters
Ano: 2008
Gênero: Aventura/Coming-of-age/Fantasia
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.