Para tentar entender a mente de um viciado, deve-se procurar algum traço de racionalidade em suas ações. Há diversas linhas de estudos quanto a conjecturar o jeito mais sensato de chegar-se ao íntimo de pessoas que muitas vezes já perderam qualquer vínculo com a lógica cinzenta do mundo exterior, restando no fundo só uma personalidade doentia, sedenta de compensações que apenas elas admitem como justas e de prazeres que apenas elas veem como deleitosos. “O Apostador” é um lembrete do paradoxo entre a vida como ela se apresenta e a vida como ela deveria ser. À medida que o homem conquista coisas, mais coisas anseia por conquistar, e é esse o caso de Jim Bennett, um professor de literatura que de vez em quando fica cheio da rotina previsível da sala de aula e debruça-se sobre as roletas, sabendo que nem sempre a sorte será uma dama gentil para ele. Rupert Wyatt tenta voltar a “O Jogador” (1974), de Karel Reisz (1926-2002), um sucesso de público e crítica eternizado por James Caan (1940-2022), mas apenas arranha a superfície da virulência do assunto. Redesenhado por William Monahan, o roteiro original de James Toback fica muito longe de um desfecho que justifique o trabalho de um remake.
A vida de Bennett parece sem sentido, e ele está sempre se confrontando com sua identidade, buscando um propósito verdadeiro. O professor atravessa um enorme deserto, e ao longo dessa jornada revê crenças e valores, sem contudo dar-se conta de que precisa mudar seu alvo. Esse vazio existencial, como se a vida fosse um ideal impossível, paira no horizonte, sobretudo nas cenas em que o personagem aparece em seu ambiente de trabalho; quando dirige pelas ladeiras de Los Angeles e chega a um cassino ilegal ele se transforma ou se revela, tonto pela descarga de adrenalina e endorfina que cada lance lhe proporciona. Ele aposta dez, ganha quarenta, perde o dobro, e passa a depender dos favores de agiotas como Neville Baraka, interpretado por Michael K. Williams, uma vez que sua mãe rica, Roberta, o esbofeteia quando ele diz que precisa de 240 mil dólares emprestados para quitar a dívida mais recente. As relações de Bennett com as mulheres até poderiam ser resumidas como um desastre completo se tomássemos apenas a personagem de Jessica Lange, mas Amy, uma universitária que trabalha como garçonete naquele antro de jogatina e extorsão, limpa um pouco a barra dele.
Mark Wahlberg, por seu turno, não é capaz de destacar todas as diversas nuanças do complexo personagem-título. Bennett vai virando um protagonista supérfluo em meio à atuação de Brie Larson, sem dúvida, a melhor coisa em “O Apostador”, para não mencionar coadjuvantes como John Goodman e Alvin Ing, que elevam Frank e Mister Lee à privilegiada classe de antagonistas aos quais o público devota um entusiasmo natural. Wahlberg sequer desperta o fetiche do perdedor charmoso, ofuscado, quem diria, por Goodman, carismático como nunca. Como Aleksei Ivânovitch, o jogador retratado por Fiódor Dostoiévski (1821-1881) no romance homônimo e autobiográfico, Jim Bennett aprende a lição a duras penas. Mas ele bem que merecia se dar mal.
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