Na esquina das ruas Alsina com a Bolívar, no coração de Buenos Aires, esconde-se uma verdadeira máquina do tempo. Com livros usados à venda, expostos em duas mesinhas na porta, do lado de fora, a Librería de Ávila existe humildemente, despretensiosa, e passa despercebida pelos transeuntes desavisados. Para a maioria dos turistas, ela é apenas mais uma lojinha local abrigada em um dos prédios históricos da cidade. No entanto, ali mora um verdadeiro patrimônio argentino que faz parte da história da capital portenha.
Quando se caminha adentro pelas portas largas e antigas de madeira e vidro, é possível sentir-se imediatamente conectado com o passado. Enormes prateleiras pesadas carregam centenas de livros que parecem repousar ali há mais tempo do que se imagina. Alguns se empilham pelos cantos da loja, sobre mesas antigas e próximas a objetos que vieram de tempos bem anteriores ao meu nascimento, no fim da década de 1980. Uma máquina de escrever em um canto escondido e cheio de objetos amontoados. Papeis arrancados de revistas antigas parecem ter sido esquecidos ali há décadas, mas não dá a sensação de que o lugar está desarrumado, pelo contrário, confere ainda mais um charme anacrônico a tudo isso. Um ventilador verde, que parece ter sido adquirido na década de 1940, encostado em uma pilastra no meio da loja, se tornou parte da estética arcaica.

Um buraco no chão, sem acesso, protegido por um corrimão, mostra que é possível descer por uma escada lateral escondida e cheia de livros amontoados e encontrar mais algumas estantes com centenas de livros. A ordem é não ter ordem e essa é a beleza do lugar. Uma plataforma de madeira, que se sobe por uma escada larga e aparentemente frágil, leva a mais estantes pesadas de livros. Não se sabe como aquela estrutura, que parece tão frágil, aguenta todo aquele peso. Mas foi lá em cima que escolhi o livro que conta a história do cinema argentino, que acabei trazendo na volta para casa, no Brasil. Nas mesas embaixo, catei um livro infantil em espanhol para meu filho de 4 anos, para que ele se recorde de que, na infância, viveu ótimas memórias com os pais na Argentina.
A Librería de Ávila ganhou este nome na década de 1990, em homenagem ao escritor espanhol San Juan de la Cruz, nascido na cidade de Ávila. Mas o local remonta ao século 18, quando, em 1785, ela foi fundada por Francisco Salvio Marull, um livreiro catalão que vendia, em seu comércio colonial, livros importados da Europa. Os itens, óbvio, eram altamente valorizados por sua escassez. Por isso, não surpreende que o local tenha passado a ser muito mais que uma livraria, mas um ponto de encontro de intelectuais e revolucionários da época, além de um berço da imprensa argentina.
A Librería de Ávila, que primeiro se chamou Librería del Colegio devido à proximidade com o Colégio de San Carlos, também já vendeu produtos farmacêuticos e religiosos e abrigou exposições de arte. Após mais de um século como reduto de pensadores, o imóvel experimentou um período de decadência em meados do século 20, tornou-se um armazém até ser revitalizado na década de 1990 e retornar às suas origens livreiras. Se tivesse sido preservado desde sempre em sua formação original, poderia ter hoje o título de terceira livraria mais antiga do mundo, atrás apenas da Bertrand, em Portugal, e da Moravian Book Shop, nos Estados Unidos. Se um dia você passar por ali, entre as ruas Alsina e Bolívar, não pense duas vezes. Entre e sinta-se inspirado pelos espíritos dos pensadores do passado.