O idealismo dos jovens chega a ser comovente. Mesmo quando francamente equivocada, essa tendência a achar que tudo na vida caminha para soluções consensuais que agradam a todos, mesmo quando os problemas em tela desafiam a lógica e se estendem no tempo, indefinidamente. Sempre por excesso de confiança, vaidade, intrepidez meio alucinada, perigosa, mas tão característica, imaturidade, claro, e, às vezes também por uma ponta de má-fé, soberba e preguiça, irrigadas por larga medida de desespero, essa visão de mundo sob lentes cor-de-rosa, que distorcem a realidade e lhe dão belezas que ela não tem, fazem com que os menos experientes cometam enganos terríveis. Um garoto sonhador de um vilarejo do interior da Suécia, contudo, parecia saber muito bem aonde queria chegar: ao topo, seja lá por que meios e a despeito do ambiente no qual pudesse estar, e assim “Uma Vida Honesta” constitui-se numa trama grandiosa sobre personagens repulsivos. Inspirado no livro homônimo de Joakim Zander publicado em 2022, o roteiro de Linn Gottfridsson acompanha um trabalhador comum que se envolve no submundo dos crimes de colarinho branco. Uma evidência de que criminosos podem ser gente como a gente.
Simon chega à Universidade de Lund sem muito ânimo. Ele matriculou-se no curso de direito, mas quer mesmo é ser escritor, apesar de não ter nenhum tema em vista. Como se nota, Simon atravessa uma fase de crises existenciais profundas, e talvez não tenha escolhido a hora mais oportuna para tentar se descobrir, uma vez que, pouco depois de desembarcar, dá com um protesto de anarquistas encapuzados, e um policial vai atrás dele. Essa aura de caos da abertura é indispensável no desenvolvimento do conflito de Simon, e o diretor Mikael Marcimain despeja sobre o personagem medidas generosas de hesitação e uma certa revolta natural, recursos que Simon Lööf usa para oferecer pistas sobre para onde está indo seu anti-herói. Para não ter de instalar-se no dormitório da universidade, uma humilhação para ele, Simon empenha quase todo o dinheiro no quarto que aluga no apartamento de Victor, um grã-fino à Jay Gatsby, e esse novo mundo de glamour e falsas aparências logo apresenta seus perigos.
Marcimain bate na tecla da injustiça social ao mostrar Simon trabalhando com faz-tudo numa boate e limpando o apartamento sozinho após as festas de Victor, para as quais é convidado por educação. Os desentendimentos entre o protagonista e o vilãozinho de Fabian Hedlund abrem o apetite, mas o prato principal só é servido pouco depois, quando Simon reencontra a manifestante que o socorrera no tumulto do primeiro dia em Lund. Max, uma garota morena, põe tons mais solares na melancolia de escritor sem imaginação, e é ela quem o convence a integrar uma quadrilha de ladrões de objetos de luxo que invade as mansões de empresários e políticos, numa alusão indireta a “Bling Ring: A Gangue de Hollywood” (2013), de Sofia Coppola. Nora Rios encarna Max dando ênfase à dicotomia da moça, uma ladra quase romântica que sabe muito bem quando pender para a inocência ou para o cinismo. Ao contrário da parceira, Simon não tem ideologia, só quer continuar vivo, e talvez até se conforme com um emprego razoável num cidadela afastada. Afinal, só se tem uma vida honesta quando as palavras acompanham as ações.
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