Mulheres foram conquistando espaços que muita gente jamais imaginaria há cerca de meio século, e todos ganharam com isso. No entanto, é difícil acreditar que ainda hoje existam lugares em que sua submissão incondicional aos abusos de pais, maridos e filhos, até em questões estritamente pessoais, conta como um ativo precioso quanto a avaliar a educação e os brios de uma mulher, o que nenhum relativismo cultural explica. Fazendo graça, Lake Bell fala dos diversos obstáculos à autonomia plena da mulher em “A Voz de uma Geração”, que, mesmo longe de ser um panfleto, atinge seu alvo e escarnece de pontos de vista que insistem em perdurar. Não por acaso, a própria diretora encarna Carol Solomon, uma terapeuta vocal buscando um lugar ao sol na indústria da dublagem de trailers, o que só irá conseguir se vencer um adversário poderoso, numa batalha que dar cabo de suas lembranças mais felizes. O roteiro de Bell prima pelo senso de realidade e por uma certa melancolia, que sabe dosar bem com piadas inteligentes e situações que expõem a vocação de Carol para a felicidade possível.
Don LaFontaine (1940-2008), um dos mais famosos dubladores do cinema, popularizou a expressão “Em um mundo…”, empregada com frequência abusiva para apresentar o enredo de delirantes ficções científicas. O título original até pode fazer mais sentido, porém o sonho de ascensão profissional de Carol manifesto na versão em português deixa claro quem é a estrela aqui. Filha de Sam Sotto, um dos sucessores de LaFontaine, mas não dispõe da influência do pai em seus esforços para firmar-se na carreira, muito pelo contrário. Sotto tem dado uma força para Gustav Warner, de Ken Marino, um playboy que ganha cada vez mais espaço no métier, e esse é o gancho de que Bell se socorre para entrar mais fundo nos pesares de sua anti-heroína, sem fazer sua defesa. Ela frisa o maldisfarçado comodismo de Carol, que aos trinta anos ainda mora com o pai, sem esquecer-se de mencionar que Sotto não é flor que se cheire em seu egoísmo e sua pétrea arrogância. Apesar da linearidade do papel, Fred Melamed tem bons momentos nas cenas em que Sotto precisa contrapor-se à filha, e no embalo, Michaela Watkins também mostra a que veio como Dani, a irmã mais velha de Bell e sua confidente.
Se dependesse de Sotto, Carol faria apenas os sotaques, mas ela quer mais. Nisso a aspirante a dubladora conta com a ajuda quase sempre espontânea de Dani, que grava as conversas que mantém com os hóspedes do hotel onde trabalha como recepcionista, o que ajuda a moça a praticar enquanto sua grande chance não aparece. Ao conseguir, afinal, furar a bolha e ser escalada para um teste na produtora de Louis, começa um novo ciclo, mais movimentado e mais perigoso, com a necessidade de ir às festas de Gustav e administrar seu sentimento pelo único homem que apostou nela. O casal estabanado composto por Bell e Demetri Martin justifica o filme em reiteradas circunstâncias, principalmente nas sequências finais, de uma cerimônia do Golden Trailers, premiação dos melhores anúncios de filmes do ano (!). Apesar de Sotto, é a voz de Bell que se ouve durante a apresentação de uma tetralogia à “Jogos Vorazes” produzida por Geena Davis, ironia saborosa diante do caráter independente e até experimental do trabalho de Lake Bell que, a despeito de seu gênero, ainda teve o merecido reconhecimento por parte de Hollywood.
★★★★★★★★★★