A história de amor mais contida e devastadora de Jane Austen está na Netflix: Razão e Sensibilidade Divulgação / Columbia Pictures

A história de amor mais contida e devastadora de Jane Austen está na Netflix: Razão e Sensibilidade

Há uma contenção que define o espírito de “Razão e Sensibilidade”, tanto no romance original de Jane Austen quanto na adaptação cinematográfica de Ang Lee. Uma elegância não no sentido estético convencional, mas como escolha ética e formal. O filme se abstém de excessos: evita discursos inflamados, evita sentimentalismos fáceis, evita mesmo a ideia de redenção dramática. Prefere acompanhar, com minúcia e paciência, a erosão de uma família condenada a reorganizar sua dignidade em silêncio.

Lançado em 1995, o longa não apenas consolidou a carreira internacional de Ang Lee como também demonstrou, de forma surpreendente, a compatibilidade entre uma sensibilidade asiática marcada pela introspecção e uma tradição literária britânica voltada para a ironia social e os afetos velados. A escolha do diretor taiwanês, à época vista com alguma estranheza, revela-se hoje como uma das mais coerentes já feitas por Hollywood. Lee compreende que Austen não escrevia sobre paixões — escrevia sobre instituições, sobre os limites impostos pela classe, pelo gênero, pelo decoro. O amor, em sua obra, quase sempre chega tarde ou atravessado por convenções inescapáveis.

O roteiro assinado por Emma Thompson, que interpreta Elinor Dashwood, preserva com rigor o tom ambíguo da autora. Thompson evita tanto a ornamentação quanto a atualização. Não há esforço em tornar Austen moderna. Em vez disso, há respeito à tensão entre o que é sentido e o que é permitido. O texto se constrói a partir das omissões: o que não se diz, o que não se pode fazer, o que se sofre em silêncio.

A cena em que Marianne (Kate Winslet) toca piano, ou melhor, se refugia nele, enquanto a mãe chora discretamente numa sala contígua, talvez seja o maior exemplo da estratégia emocional do filme. Nada de grandiloquência. Nada de câmera invasiva. É o espaço entre as personagens que comove. A ausência de explicação. A melancolia que se espalha como poeira no ar.

Nesse contexto, a atuação de Thompson torna-se o eixo moral e emocional da narrativa. Sua Elinor não é a irmã responsável ou a mulher prática, como tantas vezes é reduzida. É a personagem que absorve todas as consequências. Que ouve mais do que fala. Que se cala para proteger. E que, justamente por isso, carrega um tipo de dor que não se expressa — mas se infiltra em cada plano.

Winslet, por sua vez, oferece uma Marianne pulsante, quase impulsiva, em contraste direto com a rigidez autoimposta de Elinor. É ela quem explicita a tragédia do desejo não correspondido, da expectativa frustrada, da juventude que ainda acredita que intensidade basta. O filme, no entanto, não a premia nem a pune. Apenas a observa. E revela, aos poucos, o que significa amadurecer sob restrições sociais.

O elenco masculino funciona como contraponto, com variações sutis de frustração e inadequação. Hugh Grant é Edward Ferrars, o pretendente que hesita, preso a compromissos que não escolheu. Greg Wise é Willoughby, figura do encantamento irresponsável, da promessa não sustentada. Mas é Alan Rickman, como o coronel Brandon, quem representa a única possibilidade real de afeto íntegro. Seu personagem não precisa de discursos. Sua presença, contida e constante, é o que oferece abrigo. E isso basta.

Do ponto de vista técnico, o filme é irretocável. A direção de arte equilibra opulência e desgaste. Os figurinos são discretamente narrativos. A fotografia evita o pastiche da pintura e opta por uma luz naturalista, que valoriza a interioridade das cenas. Nada distrai do essencial: a dramaturgia do olhar, dos gestos contidos, das falas interrompidas.

A adaptação de “Razão e Sensibilidade” não é uma versão moderna nem uma reverência vazia. É uma leitura precisa. Um exercício de escuta. E talvez isso explique por que, quase trinta anos depois, o filme continue a ser revisitado com interesse renovado. Não apenas por fãs de Austen ou do cinema de época, mas por qualquer espectador disposto a enfrentar a hipótese de que amar — verdadeiramente amar — talvez seja aceitar o que não se pode ter. Ou o que chega tarde demais.

Lee não romantiza esse dilema. Nem oferece uma saída. Apenas o apresenta, com precisão formal e generosidade crítica. O resultado é um filme que, como o romance, rejeita o espetáculo. E que, justamente por isso, permanece.

Filme: Razão e Sensibilidade
Diretor: Ang Lee
Ano: 1995
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★