Embora fosse polonês, o cineasta Krzysztof Kieślowski ganhou forte apoio, investimentos e reconhecimento na França na década de 1990, criando, no fim da carreira de diretor, a trilogia “Três Cores”. Cada filme leva uma das cores da bandeira francesa, explorando em seu enredo os valores do Iluminismo aplicados à vida contemporânea e, levando em conta a reconstrução da Europa após a queda do Muro de Berlim. No primeiro filme da trilogia, Kieślowski fala do azul. Em “A Liberdade é Azul”, a protagonista Julie (Juliette Binoche) atravessa uma tragédia pessoal e tenta reconstruir sua vida em meio às ruínas emocionais.
Julie perde o marido, um famoso compositor de música clássica, e a filha pequena em um acidente de carro. Ela, que também estava no veículo no momento da tragédia, sobrevive, ficando com feridas físicas e espirituais. Se cada um encara o luto de uma forma, alguns com tristeza, outros com silêncio e introspecção, Julie enfrenta a perda da família com revolta. Seu comportamento se torna uma arma contra o mundo. Mas Julie não profere suas revoltas. Ela silencia e se expressa com ações.
A primeira delas é se desfazer de tudo o que a remete ao passado, tudo que a lembra de sua vida com a família. Retoma o nome de solteira, vende a casa do casal, manda os criados se desfazerem dos móveis e tenta se livrar permanentemente da última composição do marido, uma obra em homenagem à França, aguardada ansiosamente pela mídia local. Aluga um apartamento em Paris e tenta fugir da solidão e da dor, buscando a liberdade absoluta. Com isso, pretende se anestesiar das lembranças e das amarras emocionais.
Apesar disso, Julie acaba sendo levada de volta ao passado, às memórias e às verdades que evita encarar. Descobre que o marido tinha um caso extraconjugal de anos e que ainda será obrigada a enfrentar as consequências e a dor dessa traição. Lembranças, especialmente da composição inacabada do marido morto, voltam à tona, forçando-a a lidar com tudo o que tem evitado.
O longa-metragem de Kieślowski é introspectivo, contemplativo e lento. Não há muita dinâmica externa, embora haja muitos conflitos internos acontecendo na vida de Julie. O filme percorre mais as emoções do que as ações concretas de seus personagens, traçando um paradoxo entre Julie e a própria França em sua busca por liberdade no período pós-Guerra Fria. Assim como Julie, a França também está em ruínas, vivendo uma espécie de luto e tentando superar o passado político, social e cultural, em busca de reconstrução e de uma nova identidade. Tanto Julie quanto a França, no entanto, continuam se reencontrando com o próprio passado e encarando antigas feridas. Ao longo de ambas as jornadas, elas percebem que a liberdade não é exatamente a solidão, mas a conexão com o outro: de Julie com outras pessoas, e da França com outros países.
Uma obra-prima que resiste ao tempo, “A Liberdade é Azul” foi premiado no César, Globo de Ouro, Goya e outras premiações importantes, marcando um final majestoso para a trajetória de diretor de Kieślowski.
★★★★★★★★★★