A ficção científica sempre teve um talento especial para falar do presente disfarçada de futuro. Por trás de naves espaciais, paradoxos temporais e criaturas de outro mundo, muitas vezes se escondem reflexões sobre identidade, memória, destino e até o que nos torna humanos. Quando bem feita, ela extrapola os efeitos especiais para nos confrontar com questões que não cabem em nenhum laboratório, mas que insistem em rondar nossas dúvidas mais íntimas. A chegada de novos (e nem tão novos assim) títulos do gênero à Netflix é, portanto, um convite irresistível para embarcar em jornadas que vão muito além do entretenimento.
Entre relançamentos icônicos e descobertas recentes, a plataforma reuniu quatro filmes que representam diferentes vertentes da ficção científica: do afeto intergaláctico de “E.T.: O Extraterrestre” à vertigem psicológica de “Os Esquecidos”, passando pela estrutura quase filosófica de “O Predestinado” e chegando à delicadeza de “IO”. Cada um à sua maneira reimagina os limites da realidade e desafia o espectador a repensar sua relação com o tempo, a memória, o outro, e consigo mesmo. São obras que não só propõem perguntas como nos obrigam a carregar essas perguntas depois dos créditos.
Nesta seleção, não há espaço para respostas fáceis. O que existe são narrativas que flertam com o fantástico sem perder o pé no drama humano. Seja na busca por pertencimento, na dor de esquecer (ou lembrar demais), ou na tentativa de corrigir o passado, esses filmes ampliam o que entendemos como ficção científica e provam que o gênero, mesmo com décadas de existência, continua sendo um terreno fértil para inovações estéticas, emocionais e existenciais. Se você acha que já viu tudo quando se trata de viagens no tempo e visitantes de outro planeta, talvez esteja na hora de deixar esses quatro títulos te surpreenderem, ou, no mínimo, te desestabilizarem um pouco.

Em um futuro próximo, a Terra tornou-se tóxica e inabitável, forçando a maior parte da humanidade a evacuar o planeta e buscar refúgio em uma colônia espacial chamada IO, uma das luas de Júpiter. Sam, uma jovem cientista, decide permanecer na Terra para continuar os estudos de seu pai, acreditando que ainda há esperança de regeneração para o planeta. Isolada e sobrevivendo em uma estação de pesquisa nas montanhas, ela vive com a constante expectativa de encontrar uma solução — até que Micah, um estranho vindo das últimas missões de evacuação, chega com planos de partir no último transporte para IO. O encontro entre os dois gera um embate silencioso entre fé na recuperação e resignação diante do fim. Com ritmo contemplativo e atmosfera melancólica, “IO” é menos sobre catástrofes e mais sobre escolhas solitárias em tempos de desespero. Um sci-fi climático que aposta no silêncio e na esperança como última forma de resistência.

Um agente temporal viaja pelo tempo para impedir crimes antes que aconteçam. Em sua última missão, ele precisa capturar um misterioso terrorista conhecido como “O Insírito”. Mas tudo muda quando, disfarçado como bartender, ele conhece um cliente com uma história de vida tão extraordinária quanto inexplicável, envolvendo abandono, cirurgias, identidade de gênero e um paradoxo que desafia qualquer linha temporal. Baseado no conto “All You Zombies” de Robert A. Heinlein, o filme é uma engenhosa armadilha narrativa, em que cada revelação muda completamente o sentido do que se viu até então. Com atuações precisas e um roteiro que exige atenção total, “O Predestinado” é menos sobre viagens no tempo e mais sobre o colapso de fronteiras: entre passado e futuro, entre masculino e feminino, entre destino e livre-arbítrio. Um quebra-cabeça tão cerebral quanto existencial.

Telly é uma mãe em luto, devastada pela morte do filho em um acidente de avião. Mas o que parece ser apenas um trauma profundo logo se torna um pesadelo vertiginoso: pessoas ao seu redor começam a dizer que seu filho nunca existiu, e até objetos e registros desaparecem sem deixar rastro. Em meio à dúvida sobre sua própria sanidade, Telly embarca em uma busca desesperada pela verdade — e o que ela encontra desafia toda lógica terrena. “Os Esquecidos” parte de um drama psicológico e gradualmente se transforma em uma trama de conspiração sci-fi com elementos de suspense e horror cósmico. O filme desconcerta justamente por embaralhar realidade e delírio, criando uma atmosfera onde até o ato de lembrar se torna um gesto de resistência. Nada é o que parece, e esquecer, aqui, talvez seja a maior violência possível.

Em uma pacata vizinhança do subúrbio americano, um ser de outro planeta é acidentalmente deixado para trás por sua nave. Assustado e perdido, ele encontra refúgio com Elliott, um garoto solitário que, ao lado dos irmãos, tenta esconder e proteger o visitante, carinhosamente apelidado de E.T., das autoridades. O que começa como uma conexão improvável se transforma em uma amizade comovente, capaz de desafiar barreiras linguísticas, culturais e até biológicas. Spielberg constrói aqui uma ficção científica com alma infantil e coração universal, onde o extraordinário se esconde nos detalhes mais domésticos. Em vez de explorar o medo do desconhecido, o filme escolhe a ternura, e, por isso mesmo, emociona ainda mais. Quatro décadas depois, E.T. ainda quer telefonar para casa, e o espectador, inevitavelmente, quer acompanhá-lo até lá.