Faroeste que influenciou Tarantino acaba de chegar à Netflix — e é o melhor filme que você vai ver esta semana Divulgação / Columbia Pictures

Faroeste que influenciou Tarantino acaba de chegar à Netflix — e é o melhor filme que você vai ver esta semana

Uma nação é feita de homens e mitos. No caso dos Estados Unidos, o Velho Oeste, uma terra sem lei ao longo do século 19, era pródiga de homens imbuídos de um desejo de retaliação, que atiravam-se de cabeça numa jornada contra quem mexia com a concórdia de seus domínios. Esses personagens tornaram-se sacerdotes mundanos, exímios mestres na arte oculta de fazer de seu lado mais primitivo uma força temida não só por quem os rodeia, mas por toda a gente. Com “Gerônimo — Uma Lenda Americana”, Walter Hill junta-se a nomes como John Sturges (1910-1992), Sergio Leone (1929-1989), Lawrence Kasdan e Jon Cassar e passa à galeria de diretores que exploraram o gênero americano por natureza, malgrado banque algumas subversões. Para começo, a figura central em seu filme é um líder apache chiricahua celebrizado por defender do jugo do exército do presidente Rutherford Birchard Hayes (1822-1893) o território em que vivia há cinquenta anos. O roteiro de Larry Gross e John Milius aprofunda-se na então incipiente questão indígena na América, esboçando o hermético envolvimento de apaches e outras etnias com o lado invasor.

Hill balança entre um esforço sério quanto a entender a influência dos apaches no Arizona e no Novo México e uma abordagem revisionista, que vale-se de mil acrobacias retóricas para evitar a ideia de genocídio. “Gerônimo” é um minúsculo recorte acerca da força do homem branco sobre os povos originários, que a comunidade do personagem-título frustrou à custa de lágrimas, suor e sangue, ofensivas e contra-ataques e traições de ambos os grupos. A história é narrada pelo segundo-tenente Britton Davis (1860-1930), um texano recém-saído de West Point que junta-se às tropas do primeiro-tenente Charles Bare Gatewood (1853-1896) na ação de captura de Gerônimo (1829-1909), inicialmente levada em meio a muito diálogo e negociações horizontais. 

Num de seus primeiros papéis, quatro anos antes do furacão “Gênio Indomável” (1997), dirigido por Gus Van Sant, Matt Damon suaviza o impacto da entrada dos militares na reserva de Gerônimo, como uma espécie de consciência nem tão crítica do lado vencedor, o que reforça o argumento de que o filme é bem mais entretenimento do que análise. Não obstante, Damon e Jason Patric fazem do limão uma limonada, sobretudo nas cenas de enfrentamento bélico, que guardam boas surpresas no que toca aos dilemas éticos dos indígenas cooptados pelo general George Crook (1828-1890), de Gene Hackman (1930-2025), substituído por Nelson A. Miles (1839-1925) precisamente por ter, digamos, escrúpulos. Escrúpulos demais.

Se “Gerônimo” peca ao sobrestimar a participação de Davis, Gatewood e Crook, redime-se ao sempre jogar luz sobre a figura de Gerônimo. Wes Studi brilha durante os 115 minutos, captando com admirável sensibilidade as inúmeras variações emocionais de seu protagonista, sobrevivente de outras cruentas batalhas com as Forças Armadas do dominador e a tragédias pessoais como os assassinatos da mulher e do filho. Gerônimo viveu fora de suas terras por 22 anos, até morrer de pneumonia, aos oitenta, como um próspero fazendeiro de Oklahoma — depois de ter se convertido à fé católica. Há 26 produções audiovisuais contando a saga do velho índio que ousou desafiar a supremacia branca americana no século 19, quase nenhuma delas fiel o bastante a seu legado de resistência e dignidade. Walter Hill chega algo perto disso.

Filme: Gerônimo — Uma lenda americana
Diretor: Walter Hill 
Ano: 1993
Gênero: Faroeste/Guerra
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.