Por que algumas histórias permanecem intocadas no tempo, mantendo sua relevância independentemente da época em que são lidas, transformando a maneira como as pessoas veem o mundo e revolucionando a forma de escrever? A fórmula para um clássico não é bem conhecida. Aliás, ela sequer existe — e esse é o grande feito desses autores: criar algo completamente novo e autêntico e, ao mesmo tempo, conseguir dialogar com todas as pessoas, de diferentes lugares, épocas, idades e classes sociais. Alguns livros parecem mesmo escritos por anjos, porque parecem saber exprimir de forma pura e singela as emoções. Longe de serem simplórias demais, essas obras expressam, ao mesmo tempo, com riqueza de detalhes, complexidade e delicadeza, todas as agruras e alegrias de se estar vivo, de experimentar essa experiência terrena.
Os clássicos nunca morrem, nunca são esquecidos, mas acabam vivendo recorrentes renascimentos — quando, de repente, retomam o topo de vendas (embora nunca tenham parado de vender), como se tivessem sido lançados hoje mesmo. Para essa lista de hoje, tentamos encontrar uma explicação para esse repentino renascimento. A maior parte deles foi adaptada nos últimos anos para as telas. E, como se sabe, a televisão e o cinema são muito mais populares e democráticos que os livros. O custo não é tão alto, espalham-se com facilidade e ganham apelo comercial com muito mais rapidez que as obras literárias. Sem falar que as telas traduzem algumas mensagens que, nos livros, parecem mais difíceis de entender.
Nesta lista incrível, trazemos obras literárias que há décadas têm falado com o público, mas que, por alguma razão, viralizaram recentemente e voltaram a parar na boca do povo e nas redes sociais. Vida longa a essas preciosidades e que, daqui a muitas e muitas gerações, elas continuem encontrando seu caminho até o coração das pessoas.

Estreia do mexicano Juan Pablo Villalobos, o livro se tornou rapidamente um destaque da chamada narcoliteratura. Porém, ao contrário de outros livros do gênero, aqui a violência do narcotráfico é filtrada pelo olhar inocente e peculiar de um menino. Narrado em primeira pessoa por Tochtli, filho de um poderoso chefão do tráfico conhecido como Yolcault ou “El Rey”, o romance revela a rotina absurda de um garoto enclausurado em um palácio de luxo, cercado por capangas, armas e corrupção. Apaixonado por palavras difíceis, chapéus e histórias sobre samurais e reis da França, Tochtli sonha em completar seu minizoológico com um hipopótamo anão da Libéria — desejo que conduz a narrativa por caminhos insólitos e trágicos. Entre conversas filosóficas com um preceptor fracassado e a violência cotidiana disfarçada de normalidade, “Festa no Covil” mistura humor ácido, crítica social e lirismo brutal. Villalobos constrói, em poucas páginas, um retrato devastador da infância corrompida e da normalização da violência, tornando seu romance de estreia uma obra concisa e inesquecível.

Livro que consagrou Laura Esquivel como uma das principais vozes femininas da literatura latino-americana contemporânea e inaugurou o que muitos chamam de “cozinha-ficção”. Ambientado no México rural do início do século 20, o romance narra a história de Tita, a filha mais nova da família De la Garza, que, impedida pela tradição familiar de se casar, encontra na cozinha a única forma de expressar seus sentimentos e desejos reprimidos. Cada capítulo do livro é estruturado a partir de uma receita culinária, cuja preparação e consumo estão profundamente entrelaçados às emoções dos personagens. A cozinha, assim, transforma-se em palco de amores proibidos, conflitos familiares e resistências silenciosas, onde ingredientes e sentimentos se misturam, provocando efeitos mágicos e inesperados. Entre aromas, sabores e paixões, Laura Esquivel cria uma narrativa sensorial e poética que exalta o feminino e a cultura popular mexicana, celebrando a capacidade da vida — e da comida — de resistir à tristeza, à opressão e à morte.

A saga familiar atravessa três gerações da família Trueba, narrando paixões, conflitos e tragédias que se entrelaçam com a história turbulenta de um país latino-americano fictício, mas claramente inspirado no Chile. No centro da narrativa está Esteban Trueba, patriarca autoritário e ambicioso, cuja busca pelo poder e pela posse da terra o isola emocionalmente daqueles que mais ama. Ao seu lado — ou em oposição a ele — estão Clara, a esposa sensitiva e distante, capaz de prever o futuro e dialogar com os mortos; Blanca, a filha rebelde cujo amor proibido desafia as convenções familiares; e Alba, a neta que herda tanto os dons espirituais da avó quanto a paixão política que a colocará em rota de colisão com o próprio avô. Com prosa lírica e personagens profundamente humanos, Isabel Allende mescla realismo mágico e crítica social em uma narrativa que atravessa o século 20, refletindo sobre opressão, liberdade e memória. Inspirado em vivências familiares da autora e nos acontecimentos políticos do Chile, “A Casa dos Espíritos” é um clássico incontornável da literatura latino-americana.

Obra máxima do colombiano Gabriel García Márquez e um dos pilares da literatura mundial. No fictício vilarejo de Macondo, assistimos à trajetória da família Buendía, cuja história atravessa gerações marcadas por paixões desmedidas, guerras civis, buscas pelo conhecimento e solidões inevitáveis. Do patriarca José Arcadio Buendía, fundador utópico de Macondo, à última geração condenada pela repetição dos erros do passado, o romance percorre um século de ascensão e decadência familiar e social. Combinando o cotidiano e o fantástico sem alterar o tom da narrativa, García Márquez cria um universo onde o insólito e o ordinário coexistem em harmonia, característica que eternizou o realismo mágico latino-americano. Inspirado pelo modo como sua avó lhe contava histórias fantásticas com naturalidade, o autor transforma “Cem Anos de Solidão” em uma metáfora universal sobre o isolamento humano, o tempo cíclico e a incapacidade de romper com o destino familiar. Um livro grandioso, que ecoa muito além das fronteiras da América Latina.

A história acompanha a lenta decadência da aristocracia italiana durante o processo de unificação do país, conhecido como Risorgimento. No centro da narrativa está Dom Fabrizio Salina, um príncipe melancólico e orgulhoso que observa, com resignação e ironia, a derrocada de seu mundo aristocrático e a ascensão de uma nova classe burguesa e política. Enquanto as forças revolucionárias e democráticas redefinem a paisagem social e política da Itália, Salina luta para manter seu legado e decide como adaptar sua família às mudanças inevitáveis. Único romance do autor siciliano, foi publicado postumamente em 1958 e rapidamente se tornou um dos maiores clássicos da literatura italiana, celebrado por sua prosa elegante e visão desencantada da história. Repleto de ironia, sensualidade e melancolia, o livro constrói um retrato vívido de uma sociedade à beira da extinção, onde a mudança social surge como inevitável, mas não necessariamente redentora. Uma obra que reflete com beleza e amargura sobre o fim de uma era.

Considerado um dos romances mais influentes da literatura latino-americana e uma das obras fundadoras do realismo fantástico. Em poucas páginas, Juan Rulfo constrói um universo onde vivos e mortos coexistem em silêncio e dor, e onde o tempo e o espaço se dissolvem em memórias fragmentadas. A história acompanha Juan Preciado, que, cumprindo a promessa feita à mãe moribunda, viaja até o vilarejo fantasma de Comala em busca do pai, Pedro Páramo, um poderoso e temido fazendeiro que personifica a violência e o abandono. Ao chegar ao povoado, Juan não encontra mais vivos, mas ecos de vozes e almas errantes que relatam os abusos, traições e tragédias deixadas por Páramo. Sem seguir uma linha temporal ou narrativa fixa, o romance alterna perspectivas e tempos verbais, criando uma atmosfera densa e espectral. Mais do que a busca de um filho por seu pai, “Pedro Páramo” é a metáfora de um México marcado pela violência, pela injustiça social e pelas ruínas da Revolução. Curto, denso e inesquecível, é um clássico absoluto da literatura mundial.