5 livros que são como tapas na cara silenciosos

5 livros que são como tapas na cara silenciosos

Há livros que abraçam, que consolam, que embalam o leitor em histórias doces e reconfortantes. Mas há outros que simplesmente desestabilizam. Livros que falam baixo, não vociferam, não se impõem pela virulência retórica, mas que, com precisão cartesiana, desmontam-nos. São como bofetadas com luva de pelica, que não fazem barulho, mas excitam a consciência. Livros assim não estão nada preocupados em agradar, ao contrário: só o que fazem é desafiar nossas certezas, desmentindo o que acreditávamos saber sobre o mundo, sobre os outros e, por óbvio, sobre nós mesmos. Seus autores escavam camadas e mais camadas de autoengano; revelam cinismo onde, ingênuos, supúnhamos haver moralidade; denunciam vícios onde julgávamos florescer virtudes. E fazem-no substituindo os rodeios por verdades cruas, tão evidentes que só nos resta perguntar, vexados, por que foi que nunca atingíramos tal iluminação. O estilo pode ser dos mais serenos, mas em algum momento da leitura acusamos o golpe. Pode ser um parágrafo que parece ter saído direto do nosso caos mais impenetrável. Em outras vezes, chama atenção uma frase incômoda, como se o autor nos conhecesse melhor do que gostaríamos, como se visse com nitidez o que escondemos com tanto cuidado. Livros feito esses não nos representam: eles nos descobrem.

Essas publicações expõem, com rara clareza, aquilo que várias outras apenas insinuam ou, pior, mantêm numa redoma, enevoada e distante. Histórias que conseguem misturar as agruras de um personagem a alguns dos incontáveis capítulos do mal-estar da civilização são particularmente vigorosos, e merecem o escrutínio mais detalhado. Este é o caso de “Homem Invisível” (1952). Narrado em primeira pessoa, o romance do americano Ralph Ellison (1913-1994) acompanha um protagonista sem nome que se descobre invisível, não por estar literalmente oculto, mas porque a sociedade não o reconhece como cidadão. Negro, Ellison urde um enredo que junta a segregação no sul racista às armadilhas ideológicas do norte, composto de gente mais civilizada e muito mais cheia de afazeres, o que resulta num apagamento bastante sui generis e também cruel. Sofrimentos e dores que à primeira vista tocam apenas ao território doméstico é o que pulsa em “Carta ao Pai” (1919), documento íntimo e devastador em que Franz Kafka (1883-1924) aborda, com lucidez angustiada, o impacto emocional que a figura autoritária de seu pai, Hermann Kafka (1852-1931), exerceu sobre sua vida. A tal carta jamais foi entregue, a reconciliação nunca aconteceu, porém ficou o desabafo kafkiano, visceral, pujante, lírico, inspirador. Eterno.

“Homem Invisível”, “Carta ao Pai” e mais três títulos matadores, que batem com toda a lhaneza, sem fazer estardalhaço e prontos para derrubar, constam da lista abaixo, excelentes sugestões para quem carece ouvir umas verdades. Em tempos de discursos histéricos, de certezas inabaláveis, de indignações performáticas e seletivas, livros como esses, que provocam desconforto sem escandalizar, são monumentos à resistência e à vida ela mesma.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.