Christopher Nolan é o tipo de realizador que as pessoas amam ou odeiam. Sem meio-termo. Pedante, pseudo-intelectual, lacrador, complexo, genial. São muitas as definições de Nolan. Mas uma coisa não podemos negar. Ele não é discreto em suas obras. Seu trabalho nunca passa despercebido. Seja para críticas ou aclamações: ele é notado. Como seus filmes anteriores, “Opphenheimer” também sofreu críticas e recebeu elogios.
Nesse trabalho, o maior desafio dos espectadores, talvez, tenha sido o de acompanhar os inúmeros personagens e linhas temporais sobre os quais Nolan se debruça. De um modo geral, é um dos filmes mais fáceis de assimilar da carreira do cineasta, mas isso não significa que não seja complexo em outros níveis. Exige paciência do público enquanto vai tomando seu ritmo.
“Oppenheimer”, que agora está na Netflix, é o filme mais longo do diretor, com três horas de duração. A história centra no conflito ético e moral de J. Robert Oppenheimer, um dos físicos mais importantes do século 20, considerado o pai da bomba atômica, depois que seu experimento provocou a morte de pelo menos 110 mil pessoas em Hiroshima e Nagasaki, marcando o fim da Segunda Guerra Mundial, mas encenando o preâmbulo da Guerra Fria.
Apesar de sua inclinação política para à esquerda e ao comunismo, Oppenheimer (Cillian Murphy) foi escolhido pelo oficial do Exército e engenheiro que supervisionou as obras do Pentágono, Leslie Groves (Matt Damon), para liderar o Projeto Manhattan. O plano consistia em criar uma bomba destruidora o bastante para aterrorizar Hitler, mostrar a superioridade do poder bélico dos Estados Unidos e dar um fim à guerra.
Oppenheimer, embora tenha nascido em Nova York, tinha um rancho em Los Alamos, no Novo México, onde ele sonhou em unir trabalho e lar. Conhecedor da região e de como o local era ermo e desabitado, ele propôs ao governo americano construir lá uma cidade para que ele e sua equipe de cientistas escolhida a dedo para o Projeto Manhattan pudessem trabalhar. Foram três anos, cerca de dois bilhões de dólares investidos e reuniões intensas entre os pesquisadores mais renomados do mundo para conseguir executar e compreender os efeitos dessa arma nuclear sem precedentes.
Rumores de que Christopher Nolan explodiria uma bomba atômica de verdade para filmar “Oppenheimer” divertiram o diretor. O bafafá serviu para reforçar o quão ousadas são suas técnicas. No filme, testemunhamos a explosão do protótipo, o chamado Teste Trinity, como um enorme clarão mudo, seguido de um estrondo de atordoar quem está na sala do cinema. A equipe de som e de efeitos sonoros realizaram um trabalho primoroso. Embora não seja um suspense, é impossível não dar alguns pulos de susto com os barulhos inesperados em cenas improváveis. Os efeitos de som ajudaram a criar tensão em diversos momentos, ganhando como aliados os diálogos atropelados e gritados entre personagens, o clima de paranoia crescente e a fotografia noir: tudo bem ao estilo hitchcockiano.
Quanto aos efeitos visuais, Nolan afirmou que não houve nenhum CGI. Honestamente, o show de realismo é um colírio para os olhos. A explosão-teste foi realizada em miniatura (não tão pequena assim), simulando com todo realismo possível a natureza caótica de uma explosão nuclear, além de sua estética de cogumelo e seu brilho esplendoroso. O cineasta fugiu da perfeição dos efeitos de CGI, porque simplesmente não seriam táteis o bastante.
E se normalmente os filmes utilizam cenas em preto e branco para denotar o passado e colorido o presente. Nolan, em “Oppenheimer”, inverte essa convenção. O presente é em preto e branco. O filme de 15 furos teve de ser desenvolvido pela Kodak para a obra, proporcionando maior qualidade à imagem. Mas as cores da fotografia de Hoyte van Hoytema tem menos a ver com a passagem de tempo e mais com o que elas representam. As cenas cinzas, chamadas de “fusão”, representam uma perspectiva histórica, acompanham a inquirição sobre Oppenheimer e não representam o ponto de vista do próprio personagem. Já as cenas coloridas, catalogadas como ”fissão”, apontam os elementos subjetivos e que representam a perspectiva do protagonista. Várias lembranças de diversos momentos da vida do físico são contadas e o narrador não é confiável.
Cillian Murphy, que perdeu 20 quilos para o papel, oferece uma de suas melhores atuações. Oppenheimer é uma figura altiva e vaidosa, mesmo quando é subserviente. Depois do sucesso de seu projeto em Los Alamos e de coroar os Estados Unidos diante do mundo como o maior império de aniquilação da humanidade, achincalhando o Japão na Segunda Guerra, já que Hitler já havia sido derrotado pelos russos antes da bomba ficar pronta, é a vez do próprio físico ser humilhado por sua nação.
Perseguido por um adversário que não sabia que tinha, Oppenheimer se vê no centro de uma investigação federal para fuçar de suas ligações com a União Soviética, depois que esta conseguiu a receita da bomba. O nome do adversário é spoiler, mas o físico se deixa ser levado ao extremo da humilhação e da exposição pública, porque acredita que merece sofrer como penalidade por ter liderado a descoberta mais letal do mundo.
Oppenheimer sabia que sua bomba com múltiplos braços e com a força de 20 mil explosivos de TNT mudaria para sempre os rumos da humanidade. Não em vão, foi ele próprio a pronunciar em uma entrevista: “Agora me tornei a morte, o destruidor de mundos”, trecho do “Bhagavad-Gita”, que é repetidamente usada no genial filme de Nolan.
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