NA-NA-NA-NA-NA-NA-NA

NA-NA-NA-NA-NA-NA-NA

O que significam as sílabas que se repetem no título? Não. Não é gagueira. Muito menos se trata de um exercício de datilografia. O que é datilografia? Um dia eu explico. Práticas do século passado, quando nós dois nascemos. Nós quem? Eu e Paul McCartney, ora e essa! Quem sou eu? Parodiando Belchior, eu sou apenas um escritor. E quem é Belchior? Tá de brincadeira. Não. Belchior não é um dos três tigres tristes, ou melhor, Belchior não é um dos três reis gagos, quer dizer, magos. Quem é Paul McCartney? Haja paciência, viu. Paul McCartney é o maior cantor vivo do gênero pop-rock no planeta. O maior deles não seria Elvis? Não. Não seria. Elvis já morreu, babaca. Morreu para mim que sou ingrato? Já chega. Eu desisto.

É preciso capa. É preciso capa, pois, chove muito no Reino Unido. Aproveito o ensejo para chover no molhado e prestar um tributo a Paul McCartney, que acaba de completar 83 anos de vida. Trata-se de um dos artistas que mais admiro. Engraçado que a admiração já começou grande, quando eu era um menino, mas continuou crescendo aos poucos. Hoje, está imensurável. E eu que pensava que John Lennon era quem mandava na banda. Não foi bem assim. Tudo começou na carroceria de um caminhão, num show improvisado por adolescentes em Liverpool. John foi o idealizador dos Beatles e o seu líder nos primeiros anos. Com o passar do tempo, com o advento da fama, da riqueza e do impensável enfado com a glória alcançada, Macca começou a comer pelas beiradas, aproveitando-se do comportamento negligente, perdulário e algo irresponsável de seu parceiro musical, John Lennon, para assumir, aos poucos, a liderança da banda, inclusive, do ponto de vista contábil e financeiro, o que acabou gerando uma ciumeira danada que, aliada a outros fatores — Yoko Ono, por exemplo —, culminou com o fim da mais icônica banda de rock and roll de todos os tempos, em 1970.

Já escrevi inúmeros artigos sobre os Beatles. Sinto muito. Não dá para contar nos dedos. Não se trata de fanatismo. Sou fanático pelos meus filhos e isso já me basta. Sem desejar parecer mais desencantado do que já pareço, a vida é um perde-e-ganha. Mais perdas do que ganhos. Mais tristezas do que alegrias. Não me venham com aquela história do copo preenchido com água até a metade. Eu já me decidi pela angústia.

Chamar Paul McCartney de velho seria um insulto à própria velhice. A mocidade apegou-se a ele desde os primórdios da beatlemania até os dias atuais, quando continua a subir no palco para testar os limites físicos de suas cordas vocais enrijecidas pelo tempo. Desafinar todo mundo desafina. Não vão querer exigir afinação perfeita de um homem de 83 anos de idade. Há, contudo, que se desafinar com elegância. Desafiar o tempo. Destilar o amor sob olhares de contentamento. Amor é troca. Amor é via de mão dupla. Amor é um estádio lotado cantando “na-na-na-na-na-na-na” — o refrão de “Hey Jude” — até chorar, até estufar as veias do pescoço, até esquecer que há um mundo cão rosnando lá fora.

Já cruzei por Paul McCartney sete vezes. Sete shows memoráveis repletos de profissionalismo, vitalidade e prazer em estar vivo. Não estou nem aí para o tédio. Quem haverá de se entediar com os inestimáveis exemplos de uma vida bem vivida, do espetáculo do amor que se descortina no coração da gente, apesar de todos os desafios e dificuldades de se estar vivo. A decrepitude não perdoa ninguém. Vai chegar um dia em que Sir Paul McCartney não terá mais condições físicas de subir num palco, de se apresentar em shows com quase três horas de duração, revezando-se entre instrumentos musicais e cantando canções de sucesso que, há décadas, alegram e emocionam fãs de todos os cantos do planeta.

Assumo a idolatria. Uma idolatria comedida, se é que isso seja coerente. Em certa medida, me preocupo com a saúde e com o bem-estar de Paul McCartney, como se fora um parente ou um amigo mais velho. Quisera fosse possível que ele cantasse para sempre, numa espécie de magia definitiva, para a felicidade do seu séquito de seguidores. A minha admiração por Paul McCartney é algo difícil de explicar. Sou um fã bobo, um tolo na colina. Gostaria de tomar com ele o chá das cinco. Mas, terei que me contentar com o dilema do copo de água pela metade. Só pode ser amor. Não tem outra explicação. Porque fanatismo não é. 

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.