Breve diário do desencanto

Breve diário do desencanto

Os vizinhos moderninhos estão dando uma festa. Mais uma festa interminável e barulhenta na véspera de um dia de trabalho. Sei bem que chamá-los de moderninhos revela minha idade, mas, convenhamos, o que não revela? No tempo em que minha avó era uma jovem senhora, quando queria reclamar de vizinhos moderninhos e barulhentos, ela chamava as crianças de hippies. Minha mãe chamaria estes putos de punks. Não sei se chamo de indies, de hipsters, de… sei lá.

Perguntei para a Camila, minha amiga mais novinha e engraçada, do que devo chamar meus vizinhos, mas ela não faz ideia. Enfim, não sei mesmo rotular os caras ou a música horrorosa que eles escutam ou essa alegria infame e perturbadora, que em plena quarta-feira me parece um desaforo.

E, juro, preciso mesmo dormir. Minha incapacidade de dormir está me atrapalhando mais do que mereço. Pareço um bebezinho de 11 meses que ainda não descobriu os prazeres do sono. Quando consigo adormecer já é de madrugada e, então, perco a hora quase todas as manhãs. Como hoje.

Acordei puta da vida e atrasada. Até aí, nenhuma novidade. Sempre acordo puta. E atrasada. Desde os 4 anos, que foi a idade em que comecei a ter horário para acordar, acordo puta e atrasada. A minha mãe tentava. Abria a janela, cantava, dava mamadeira morna e a única coisa que eu queria era gritar um monte de palavrões e que ela morresse. Não sabia disso, claro. Com 4 anos, acho que não se sabe muito bem o que é morrer.

E também tem o seguinte, aos 4 anos eu não sabia falar palavrão. Acho que foi por isso que aprendi a me masturbar tão cedo. Eu precisava de algum alívio.

Mas o fato é que hoje acordei puta e atrasada e todas as camisetas e blusas que cheirei estavam fedidas. Se isto aqui fosse um filme americano, no sábado de manhã ‘yours truly’ iria até uma lavanderia equipada com aquelas máquinas que funcionam com moedas. A roupa limpa iria sendo dobrada e posta num daqueles cestos enormes e então um cara bonito, mas não muito, velho, mas não muito, e com ar de cachorrinho, viria puxar assunto comigo. Iríamos para o apartamento dele para uma sessão de sexo selvagem, porém terno, e o resto anda não decidi. Ainda não sei se iríamos casar e ter filhos. Ou só trepar regularmente.

Mas isto aqui não é um filme americano. Não existem lavanderias por aqui. Não dessas de filme. Talvez não existam em nenhum lugar da cidade. E mesmo que uma delas se materializasse na esquina e eu fosse lavar minha roupa lá, o máximo que aconteceria seria algum tarado, casado, de meia-idade e com mau hálito, roubar meu sutiã. Sério. Os tarados, bêbados inconvenientes e sinceros crônicos sempre me encontram.

De qualquer forma, não há lavanderia nenhuma, com ou sem tarado.

O que há é minha máquina de lavar, que tem mais de uma década de medíocres serviços prestados (o mesmo tempo em que moro sozinha), um varal de cordinha minúsculo numa área de serviço que parece uma caixa de fósforos e uma diarista, dona Cinira, que deveria tacar a roupa suja na máquina numa semana e passar na outra. Mas ela não vem trabalhar há três semanas, o que deve querer dizer que ela me largou.

Demoro a aceitar que, às vezes, as pessoas me largam.

Por isso, puta e atrasada, vesti o que me pareceu menos fedido e menos amarrotado, caprichei na pintura de guerra e saí, sem apagar a luz do banheiro, sem trocar a água das gatas e quase esqueço a chave no portão.