Da mesma forma que não existe crime perfeito, criminosos nunca são iguais entre si. Por mais que se cerquem de métodos semelhantes a fim de alcançar execráveis objetivos, golpistas de toda ordem, estelionatários, ladrões ou assassinos seriais — todos psicopatas em maior ou menor grau —, sempre fazem questão de manifestar em seu comportamento bestial uma característica qualquer que os difira dos outros, como uma impressão digital, e é a partir daí que policiais bem-preparados, ciosos de seu ofício, iniciam suas intrincadas averiguações, logo tornadas um jogo de gato e rato onde as aparências estão sempre muito perto do engano, a verdade irmana-se com a mentira, vilões passam por mocinhos sem inspirar muita desconfiança e o caos é o déspota das ledas intenções do gênero humano, a imperar sobre a lei e a ordem.
Nesta conjuntura em que o homem é o lobo do homem, a vida mais parece uma caçada, cruenta e irracional, em que estamos todos condenados a sofrer nas mãos uns dos outros, sem saber quem é o grande predador. Com “Mikaela”, Daniel Calparsoro demonstra habilidade ao conduzir tramas sobre sujeitos durões que nunca mordem mais do que conseguem mastigar e parecem manter com o perigo uma relação bastante íntima, quase vital. Malgrado não se saia tão bem quanto no ótimo “O Entregador” (2024) ou no surpreendente “Até o Céu” (2020), aqui o diretor prova que um filme pode muito bem navegar por campos diversos, pulando da tensão sem freio para o drama mais intimista, desde que com um propósito certo.
Às vésperas da aposentadoria, Leo Font passa por uma das maiores provações de sua carreira. Uma nevascasem precedentes pega toda a Espanha sem prévio aviso, e em meio ao caos de uma rodovia congestionada, uma quadrilha aproveita a grande chance de investir contra um carro-forte. Perto dali, Leo fica sabendo da ação dos criminosos, e junto com a Mikaela do título, uma oficial novata, tenta impedir que a gangue fuja com o dinheiro, enfrentando também a hostilidade da própria natureza. O roteiro de Arturo Ruiz Serrano dá a Calparsoro um rol de condições para que o diretor faça uma das coisas que melhor sabe e brinque com firulas técnicas na fotografia de Tommie Ferreras e na montagem, a cargo de Antonio Frutos, para, a um só tempo, sublinhar a angústia de Leo e Mikaela e conferir ênfase ao sentimento improvável que vai despontando entre os dois. Antonio Resines, veterano do cinema espanhol, e a jovem Natalia Azahara protagonizam cenas ágeis com a mesma desenvoltura, unidade que conta muitos pontos para que se mantenha crível um mistério que lhes diz respeito. Resines e a bela Azahara ocupam quase toda a hora e meia de projeção; ainda assim, Calparsoro guarda para o desfecho uma reviravolta estimulante, liderada por Cristina Kovani na pele de Ivana.
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