Comprou uma mamãe-reborn e foram felizes para sempre

Comprou uma mamãe-reborn e foram felizes para sempre

Sempre não é todo dia. Ficou com aquele blues do Oswaldo Montenegro ribombando na cachola. Oswaldo era um chato. A vida também. Precisava de uma mudança. Fazer sexo com profissionais perdera completamente o sentido. Sentia-se miserável. Nunca se amarrara a ninguém, apesar de ter conhecido mulheres bonitas, mulheres inteligentes e, claro, mulheres bonitas que eram inteligentes, ótimos partidos para casar-se ou, simplesmente, gastar o tempo juntos. Mas, de alguma forma, afeiçoara-se à solidão. Para fazer home office. Tomar tarja-preta. Tocar guitarra. Ler à exaustão. E escrever livros que ninguém jamais compraria.

Saiu cedo de casa. Colocou os óculos de sol. Caminhou sete quadras. Tomou coragem. E entrou numa loja de sex-shop.

— Bom dia, amigo.

— Bom dia.

— Qual o seu nome?

— Uimboldon.

— Desculpe, não entendi.

— Uimboldon. Eu me chamo Uimboldon.

— Ah, sim. Bem-vindo a Skandalo, Uimboldon. Meu nome é Carlos Wilson. Mas, pode me chamar de CW. Antes de mais nada, por obséquio, qual é a sua orientação sexual?

— Orientação sexual? Como assim?

— Perdão. Você é heterossexual?

— Sim. Claro. Claro que eu sou heterossexual. Quer dizer, desculpe, sim, eu sou hétero.

— Como posso lhe ajudar, Uimboldon?

— Ouvi falar sobre umas bonecas. Bonecas para adultos, se é que me entende.

— Bonecas. Sim. Temos um vasto portfólio de simulacros femininos na nossa loja. Procura por algum modelo em particular?

— O algoritmo tem me direcionado para a mamãe-reborn.

— Huummm… Mamãe-reborn. Ótima pedida. Tá vendendo muito, por causa dos bebês-reborns. Não se fala noutra coisa, senão nesses bebezinhos de borracha.

— Imagino.

— O que você tinha em mente?

— Estava pensando nalgo mais sofisticado, mais realístico. Não me dou bem com mulheres de verdade. Sou meio estranho.

— Acontece muito, Uimboldon. Pode acreditar. Tenho vários clientes com o mesmo perfil. No mundo de hoje, está cada vez mais comum o sujeito chutar o balde e se isolar. Mazelas da vida contemporânea.

— Como funciona? Você tem mamães-reborns à pronta-entrega?

— À pronta-entrega, infelizmente, não. Existe um sem-número de modelos e são fabricadas fora do país. Encomendamos conforme a demanda, mas, posso lhe assegurar que elas chegam rapidinho.

— Sei.

— Os biótipos são personalizáveis. Um verdadeiro luxo. As feições do rosto, por exemplo, podem ser customizadas.

— Posso escolher a cor da pele?

— Não apenas a cor da pele, mas, os cabelos, o nariz, os pelos pubianos e os olhos. Os globos oculares são feitos de vidro. A íris possui vários matizes de cores.    

— Bom.

— As bonecas são produzidas na Ásia, com material de altíssima qualidade. Para se ter uma ideia, o silicone utilizado possui grau médico, passando por testes de biossegurança, a fim de evitar escoriações e alergias. A consistência da tez é incrivelmente similar à pele de um ser humano. Algumas, inclusive, vêm com sardas, tatuagens, piercings e, até mesmo, cicatrizes de cesariana no baixo ventre. Afinal, elas são mamães-reborns.

O vendedor sorriu.

— E quanto às tetas? São customizáveis também?

— Não. As tetas não são customizáveis. Nesse particular, você precisará escolher o formato e o tamanho no ato do pedido.

— E quanto à… Bem, você sabe.

— A genitália?

— Sim.

— A genitália é removível. A mamãe-reborn vem com uma genitália padrão e mais três sobressalentes. O mecanismo de encaixe e desencaixe do dispositivo é simples e prático, aumentando bastante a gama de possibilidades em matéria de usabilidade.

— E o restante?

— Os orifícios e os dutos possuem medidas de padrão universal, atendendo homens de várias etnias, sejam eles bem ou mal dotados. Com uma simples programação de um relé, consegue-se modificar o tônus esfincteriano, assim como, regular a frequência das contraturas e dos espasmos.  

— Entendo.

— E tem mais uma coisa, Uimboldon: o modelo de última geração passou por um upgrade. Ele vem dotado com um dispositivo adicional que permite ao usuário escolher o sabor, a fragrância, a textura, o volume e a coloração do transudato genital que é ejetado através de minúsculos orifícios durante o intercurso.

— Onde fica o sistema de comandos da boneca?

— O sistema de comandos nada mais é do que um controle remoto comum, similar ao que utilizamos para funcionar a TV ou o home theater, por exemplo.

— E a bateria?

— A bateria e o receptador ficam dentro da cabeça da boneca, num local discreto, quase imperceptível. A bateria de lítio tem autonomia de cinco anos, mesmo que acionada diariamente.

— É verdade que a boneca muda a expressão facial?

— Sim, meu caro. Essa boneca é perfeita. Ela sorri. Ela chora. Ela faz careta. Ela goza em sete idiomas, inclusive, o português brasileiro. Alguns modelos são equipados com scripts de áudio com conteúdo adulto.

— Sei. Qual é o peso?

— Trinta quilos, aproximadamente. É muito prático e fácil de transportar. A aparência é tão perfeita que, se colocada no banco do carona, ninguém vai perceber que se trata de um simulacro humano.

— Como funciona a limpeza?

— Ótima pergunta. A higienização e a assepsia são importantes e extremamente práticas. Basta lavar com água corrente e detergente neutro. Se for compartilhar o simulacro com outras pessoas, recomenda-se deixar as peças desconectáveis dentro de um recipiente com degermante ou água sanitária, durante quinze minutos. Esses cuidados dizimam qualquer tipo de microrganismo.

— Ela pode ficar no ambiente externo da casa?

— Sim. Claro. No entanto, há que se ter precaução com queimaduras, uma vez que o silicone absorve a luz solar e isso poderá esquentar a boneca. Se for namorar no deck, recomendo, antes, um mergulho na piscina ou banho de ducha fria.

— Vou levar.

— Perfeito. Você não vai se arrepender, Uimboldon. Nossas mamães-reborns possuem dois anos de garantia. Acredita-se que, em breve, os simulacros de adultos substituirão os seres humanos reais com tamanha perfeição que muitos não sentirão a falta de uma mulher ou de um homem como companhia.

— Eu não sabia que existiam bonecos masculinos.

— Sim. Eles existem. E vendem bastante. Então? Vai ficar com a Melannie, Martha, Pamela, Debbie ou Afrodite?

— Elas já vêm com nome próprio?

— Sim. Todas elas vêm com um nome de fábrica. Entretanto, não tem nenhum problema você rebatizar a boneca. Ela é sua, meu caro. Chame-a como quiser. Sua satisfação completa ou dinheiro de volta.

— Tipo “Felizes para sempre”.

— Tipo “Felizes para sempre, até que a morte os separe”.

— Eu já morri, CW. Eu já morri. Para falar a verdade, eu sou apenas uma estrela carente no céu, gastando tempo com o seu brilho débil.

— Qual a forma de pagamento, por favor.

— Divide no cartão?

— Sim. Em até dez vezes.

— Que seja, CW. Tempo é o que não me falta.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.