Ninguém pediu, mas ele veio mesmo assim: terror adolescente que não promete nada e entrega menos ainda Alan Markfield / Netflix

Ninguém pediu, mas ele veio mesmo assim: terror adolescente que não promete nada e entrega menos ainda

Há um tipo de ilusionismo barato no cinema de terror contemporâneo que tenta se sustentar em truques narrativos exaustos — como o velho artifício de revelar o clímax logo de cara para depois arrastar o espectador por um caminho que ele já sabe onde termina. “Rua do Medo: Rainha do Baile”, mais recente incursão do universo adaptado das obras de R.L. Stine, se afoga nesse truque gasto, incapaz de transformar antecipação em ansiedade. Ao invés de construir tensão, entrega de bandeja o que deveria ser mantido em suspense — como se confundir o caminho com o destino fosse suficiente para provocar alguma emoção. A tentativa de parecer sofisticado na forma acaba sabotando o conteúdo desde o primeiro minuto.

A ambientação nos anos 1980, em teoria uma ode à nostalgia, surge como um simulacro. Há referências visuais, sim: roupas, músicas, penteados. Mas nenhuma delas parece enraizada na cultura ou no comportamento do período. A década é utilizada como vitrine estética, não como atmosfera vivida. O roteiro, impregnado de gírias e dilemas modernos, rompe a ilusão temporal e deixa claro que o verniz vintage é só maquiagem — e, como toda maquiagem mal aplicada, borra rapidamente. O tempo e o espaço se tornam irrelevantes diante de uma narrativa que não consegue sustentar nem sua própria lógica interna.

Lori Granger, a outsider empurrada para o centro de uma disputa pelo título de rainha do baile, é uma protagonista moldada a partir de estereótipos reciclados. Sua jornada, que deveria tensionar a dicotomia entre pertencimento e rejeição, se dissolve em uma sucessão de cenas apressadas, onde personagens mal esboçados se revezam em diálogos didáticos e situações previsíveis. A revelação do assassino — e isso não é spoiler, é diagnóstico — acontece tão cedo e de maneira tão explícita que qualquer esperança de reviravolta morre antes mesmo da primeira vítima. O mistério, que deveria pulsar como um coração nervoso, está clinicamente morto.

Ainda assim, há quem encontre prazer na carnificina coreografada que o filme oferece. As mortes, em sua brutalidade estilizada, lembram o prazer estético do gênero slasher, ainda que desprovidas de impacto dramático. Para o espectador que não exige lógica nem profundidade, talvez seja possível extrair algum deleite nos movimentos precisos do algoz — um vilão tão eficiente quanto inverossímil. O problema é que tamanha perfeição na execução de seus crimes elimina qualquer margem de erro ou resistência. O suspense depende da incerteza; aqui, só há certeza. A previsibilidade não apenas contamina a narrativa — ela a aniquila.

A escolha de Matt Palmer para a direção talvez revele a aposta mínima feita pela Netflix nesta continuação. Ao invés de expandir o universo de “Rua do Medo” com ambição e criatividade, optou-se por um exercício genérico de estilo. A construção dramática é desigual: personagens com potencial são descartados de forma abrupta, enquanto figuras insípidas são mantidas até o final, como se a inércia tivesse mais valor que o carisma. A lógica por trás das mortes parece arbitrária, não construída. Não há progressão emocional nem escalada de tensão, apenas um desfile de mortes pontuais, encaixadas como peças desconexas em um quebra-cabeça sem figura.

O fracasso de “Rainha do Baile” não está apenas na execução, mas na visão limitada do que poderia ser. Em vez de mergulhar nos dilemas morais e afetivos que a juventude em um ambiente hostil como o colégio pode oferecer, o filme opta por uma caricatura do high school americano, onde nada se sustenta: nem os conflitos, nem os afetos, nem o medo. Ao final, a única coisa que permanece é a sensação de desperdício — de tempo, de potencial, de inteligência do espectador.

Não se trata de um filme “ruim” no sentido tradicional. É pior: trata-se de um filme sem propósito. Um produto feito para preencher catálogo, não para dialogar com seu público. Há uma diferença substancial entre produzir algo esquecível e algo memorável — e “Rainha do Baile” parece nem saber que essa diferença existe. O terror, quando bem conduzido, é capaz de revelar camadas profundas da condição humana. Aqui, ele mal arranha a superfície.

Com isso, “Rua do Medo: Rainha do Baile” se estabelece como um caso emblemático de como não conduzir um thriller adolescente: sem mistério, sem alma, sem inteligência. Um pastiche de fórmulas em estado terminal, onde tudo já está anunciado — inclusive o fracasso.

Filme: Rua do Medo: Rainha do Baile
Diretor: Matt Palmer
Ano: 2025
Gênero: Crime/Suspense/Terror
Avaliação: 6/10 1 1
★★★★★★★★★★