Há filmes que não pedem licença para existir — irrompem na tela como quem desafia qualquer convenção, como se gritassem ao espectador: “sim, nós fomos longe demais, e é exatamente por isso que você está aqui”. “Velozes & Furiosos 10” pertence a esse seleto grupo. O que começou como um retrato underground da cultura de corridas ilegais evoluiu, ou talvez mutou, para algo que flerta abertamente com o delírio narrativo. Neste décimo capítulo, a lógica não é apenas suspensa — ela é arremessada de um penhasco em alta velocidade, enquanto carros explodem em câmera lenta ao som de uma trilha épica. E ainda assim, contra todas as expectativas, a fórmula funciona.
O sucesso dessa empreitada não repousa sobre pilares como coerência ou sutileza, mas sobre a audácia de abraçar o ridículo com convicção estética. Cada sequência parece coreografada não para impressionar pela técnica, mas para testar os limites do aceitável — e, nesse processo, o filme encontra seu próprio léxico. Trata-se de um entretenimento que não teme ser taxado de excessivo, porque é justamente nesse excesso que reside sua identidade. A gravidade é facultativa. A lógica narrativa, elástica. A emoção, no entanto, é estranhamente genuína.
O elenco — agora mais uma galáxia do que um grupo — é manipulado com surpreendente destreza. Há algo de orquestral na maneira como as narrativas paralelas se entrelaçam, cada uma ocupando seu lugar sem jamais sobrepor a outra. O diretor parece compreender que o caos precisa de estrutura para brilhar. Com 141 minutos que passam em um sopro de explosões, trocas de olhares intensos e frases de efeito pronunciadas com seriedade quase cômica, o filme sustenta uma cadência que só não colapsa porque nunca se leva a sério o suficiente para exigir consistência.
Mas a grande reinvenção da franquia atende pelo nome de Dante. Interpretado com exuberância anárquica por Jason Momoa, o vilão extrapola a função narrativa e se torna um elemento catalisador da experiência. Ele não busca vingança nem poder absoluto: ele busca espetáculo, e nesse desejo, personifica a própria lógica do filme. A cada cena em que aparece, a sensação é de que tudo está prestes a se desintegrar em caos teatralizado. Não há qualquer pretensão de realismo em sua performance — e é exatamente isso que a torna tão hipnotizante. Momoa não interpreta um personagem: ele encarna o espírito do décimo filme, em sua forma mais pura e irrestrita.
Essa capacidade de tornar o exagero em virtude, no entanto, não é partilhada por todos. Brie Larson, que poderia ser uma adição significativa ao jogo de forças dramáticas, é confinada a um papel tímido, quase ornamental. Sua presença parece mais um aceno ao futuro do que uma peça relevante no presente. É um desperdício narrativo e simbólico, principalmente considerando sua capacidade de carregar personagens com densidade e carisma. Em um universo onde até as leis da física são moldadas ao bel-prazer do roteiro, é curioso que o espaço para certas figuras continue tão rigidamente limitado.
No entanto, apontar essas falhas é quase irrelevante quando se compreende o pacto proposto pelo filme. “Velozes & Furiosos 10” não oferece ao público um espelho da realidade, nem mesmo uma alegoria sofisticada. Ele entrega uma montanha-russa que ignora os trilhos, mas nunca a diversão. O absurdo não é um subproduto: é o motor da experiência. E, ao renunciar a qualquer pretensão de plausibilidade, o filme se liberta para operar em um plano onde tudo é permitido — desde que mantenha o espectador em estado de excitação constante.
Talvez o mais fascinante nesse décimo episódio seja o modo como ele transforma o exagero em linguagem e a incredulidade em estética. A franquia já não compete com outros filmes de ação; compete apenas consigo mesma, em um jogo de superação onde a única regra é ir além. E se essa corrida é insana, ruidosa e logicamente insustentável, é também, paradoxalmente, uma das mais coerentes manifestações de entretenimento puro do cinema comercial contemporâneo.
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