O corpo é uma casa arrombada pelo tempo

O corpo é uma casa arrombada pelo tempo

O corpo é uma casa arrombada pelo tempo. Entra ano, sai ano, o controle esfincteriano vacila, se desajusta. O sangue coalha no seio varicoso de veias que perdem o molejo da elasticidade para adquirir a dureza plástica de um cano ou de um canudo. Mudo, o cérebro pensa que aquilo tudo é um ledo engano, fecha curto, passa pano e requenta a marmita encefálica com papas de neurônios, sob a tempestade de sinapses chocantes dos axônios desencapados.

Um dos filmes mais amados pelo público na história do cinema do século 21 volta ao catálogo Netflix Zade Rosenthal / Columbia Pictures

Um dos filmes mais amados pelo público na história do cinema do século 21 volta ao catálogo Netflix

O homem só pode ser feliz se tiver condições de buscar a felicidade. Segundo o postulado iluminista, governos só existem para asseverar ao homem o sagrado direito de correr mundo até realizar todas as suas aspirações, das mais básicas às que o restante da humanidade julga mero capricho, mera demonstração pueril de frustrações não realizadas, recalcadas pelo tempo, de que lança mão de quando em quando a fim de justificar novos fracassos e protelar o sucesso a que poderia chegar por outros meios.

A última sessão de Milton Nascimento Marcos Hermes / Divulgação

A última sessão de Milton Nascimento

Calhou de coincidir em 2022 os 80 anos de idade de quatro mestres da música popular brasileira: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Milton Nascimento. Eles fazem parte da geração que reuniu a plenitude artística e o reconhecimento de público — algo pouco alcançado nas artes brasileiras. Suas obras são ponto de convergência do que mais sofisticado se fez na tradição cosmopolita com os traços locais da cultura popular. A lógica da razão que serve para filtrar o transe da vida cotidiana.

Todos castrados, menos eu e o Reinaldão que somos dois idiotas Renato Parada / Arquivo Nacional

Todos castrados, menos eu e o Reinaldão que somos dois idiotas

Faz um bom tempo, acho que mais de dez anos, que topei com um livro “psicografado” por Nelson Rodrigues. À época fiquei chocado não porque o autor — já no prefácio — renegava a própria obra, mas com o estilo que absolutamente não correspondia ao Nelson Rodrigues terreno. Como se a morte corrompesse a voz, as obsessões, o tesão pelas cunhadinhas e até a paixão pelo Fluminense. O tempo passou e hoje, talvez, eu não ficasse tão chocado com o estilo Chico Xavier de Nelson Rodrigues mandar seu recado.

Filme brutal, com Mel Gibson, que acaba chegar à Netflix é uma pequena joia do cinema Divulgação / Splendid

Filme brutal, com Mel Gibson, que acaba chegar à Netflix é uma pequena joia do cinema

“Herança de Sangue” reproduz com brilho grande parte dos lugares-comuns vistos em filmes que também exploram vivências conturbadas de pais e filhos, tanto mais os que carregam uma biografia acidentada, repleta de passagens acerbas. Jean-François Richet lança toda a luz sobre a instabilidade moral de seus personagens centrais, pai e filha subitamente envoltos numa bruma de violência e crime, como se dá na vida de tipos assim sem surpresa.