Anthony Hopkins chegou a rejeitar um de seus papeis mais amados dos anos 1990 — na Netflix Divulgação / TriStar Pictures

Anthony Hopkins chegou a rejeitar um de seus papeis mais amados dos anos 1990 — na Netflix

Há personagens que não precisam de tecnologia futurista, traumas fundadores ou armaduras indestrutíveis para exercer fascínio. O Zorro — com sua capa, sua espada e a letra “Z” cravada em movimentos certeiros — é um desses. Quando “A Máscara do Zorro” chegou aos cinemas, em 1998, poderia ter sido apenas mais uma releitura previsível de um mito esgotado. Em vez disso, revelou-se uma narrativa com fôlego, estilo e uma rara inteligência na forma de revisitar o arquétipo do justiceiro mascarado. Sob o verniz de aventura clássica, o filme articula uma renovação estética e simbólica do herói, investindo em camadas que vão além da ação coreografada ou dos figurinos bem desenhados.

Longe de depender apenas da nostalgia ou do espetáculo visual, o filme encontra seu eixo em um processo de transmissão: não apenas de identidade, mas de ideais. Don Diego de la Vega, vivido por um Anthony Hopkins introspectivo e ferido pelas perdas, não é um mentor comum; é um homem à beira da dissolução, que vê no ato de formar um sucessor não uma glória, mas uma última tentativa de redimir o passado. A passagem do bastão para Alejandro Murrieta, interpretado com carisma explosivo por Antonio Banderas, move a trama com mais gravidade do que se espera de um filme de capa e espada. É nesse entrelaçamento entre o esgotamento de um ciclo e a ascensão do próximo que o roteiro encontra sua força: o Zorro não é um indivíduo, é um legado.

Banderas atua como catalisador de um novo tipo de herói: irreverente sem ser tolo, sedutor sem parecer ornamental, e suficientemente falível para gerar empatia sem perder autoridade. Sua construção de personagem, ainda que inserida em uma narrativa com toques de farsa, encontra um centro emocional que sustenta o filme com surpreendente consistência. Ao seu lado, Catherine Zeta-Jones, no papel de Elena, não aceita a posição de figura decorativa. Sua personagem desafia, provoca e impõe presença. Não se trata apenas de uma mulher bela em um enredo dominado por homens; trata-se de uma agente ativa dentro do jogo político e emocional proposto pelo filme. Quando divide a tela com Hopkins ou Banderas, Zeta-Jones não é eclipsada — ela amplia a cena.

O antagonismo, embora menos sofisticado em termos de complexidade psicológica, cumpre uma função precisa dentro da estrutura dramática. Don Rafael, interpretado por Stuart Wilson, e o Capitão Love, vivido por Matt Letscher, encarnam duas faces da opressão: a política e a brutal. Don Rafael representa o verniz civilizado que mascara a espoliação, enquanto Love personifica a violência direta. Essa dualidade fornece tensão suficiente para justificar os embates e, ao mesmo tempo, traça um pano de fundo onde a luta do herói deixa de ser apenas pessoal e se projeta como um confronto ético e histórico.

Esteticamente, o filme evita excessos e encontra equilíbrio raro entre exuberância e elegância. A direção orquestra as cenas de ação com um senso de ritmo que se aproxima da dança, mas sem sacrificar a verossimilhança emocional. Mesmo quando desafia a gravidade ou exagera na destreza do protagonista, há uma inteligência cênica que impede que o espetáculo se torne histriônico. A trilha sonora acompanha com discrição e precisão esse jogo entre o épico e o íntimo, acentuando a dramaticidade sem torná-la melodramática. A fotografia e os cenários funcionam como extensões da narrativa: amplos, iluminados, com cores que evocam tanto o calor do deserto quanto a sofisticação dos salões aristocráticos. Tudo parece ter sido pensado para que a estética não se sobreponha à substância, mas a amplifique.

Há, porém, um leve desequilíbrio no terceiro ato. O filme se estende além do necessário em certos momentos, como se relutasse em encerrar a trajetória que tão bem havia construído. Ainda assim, a conclusão resgata o impacto perdido com uma sequência final que retoma o dinamismo inicial e fecha o ciclo com astúcia. Curiosamente, esse cuidado com a integridade da narrativa se esvaneceu na continuação lançada anos depois. A tentativa de replicar o sucesso original resultou em desequilíbrio tonal, humor forçado e cenas de ação sem a mesma inventividade, como se a sombra do herói tivesse se tornado maior do que sua própria presença.

Mas é no contraste com essa sequência frustrante que o primeiro filme revela sua verdadeira conquista: ele não se limita a revisitar um mito — ele o ressignifica. O Zorro de 1998 não é um fetiche de justiça ou um enfeite folclórico. É uma ideia que pulsa com atualidade, uma figura que fala mais pela ação do que pela alegoria. Enquanto outros heróis modernos estão envoltos em dilemas existenciais intermináveis ou dependem de arsenais tecnológicos para funcionar, o Zorro se mantém em pé com uma espada, um cavalo e um ideal: intervir quando a injustiça tenta se disfarçar de autoridade.

Essa simplicidade é, paradoxalmente, sua sofisticação. “A Máscara do Zorro” aposta na humanidade, na habilidade e na persistência como motor narrativo — e triunfa justamente porque entende que o verdadeiro heroísmo não mora nos efeitos especiais, mas naquilo que não se pode simular: a convicção de lutar por algo maior que si mesmo. É um filme que, mesmo ao flertar com o pastiche, nunca perde o centro moral daquilo que representa. E, por isso mesmo, permanece como uma aventura atemporal, digna de ser revisitada — não apenas por seu valor nostálgico, mas por sua surpreendente atualidade.

Filme: A Máscara do Zorro
Diretor: Martin Campbell
Ano: 1998
Gênero: Ação/Aventura/Comédia/Drama/Romance/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★