Tesouro do cinema europeu que vale cada segundo do seu tempo, na Netflix Divulgação / Netflix

Tesouro do cinema europeu que vale cada segundo do seu tempo, na Netflix

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) permanece um dos capítulos mais sombrios da história humana, e o cinema frequentemente retorna a esse período para explorar as inúmeras camadas de horror e resistência. “Caminhos da Sobrevivência”, dirigido pelo belga Tim Mielants, mergulha em uma narrativa carregada de tensão moral e brutalidade, oferecendo uma perspectiva singular sobre as dinâmicas do regime nazista em territórios ocupados. A obra desafia o espectador a confrontar a desumanização sistemática imposta aos judeus, retratando com incômodo realismo as escolhas impossíveis enfrentadas por aqueles que, mesmo sob coerção, colaboraram com a máquina opressora.

Ambientado em 1942, na cidade de Antuérpia, o filme segue Wilfried Wils, um policial local que, inserido na estrutura dominada pelo nazismo, tem sua rotina definida por rondas que frequentemente se traduzem em perseguição e extermínio de judeus. A vida de Wils é marcada pela monotonia cruel e previsível de um trabalho onde o horror se torna cotidiano. A fotografia de Robrecht Heyvaert destaca esse contraste ao quebrar os tons escuros com flashes de vermelho intenso — o sangue das vítimas — que serve como lembrança constante da violência visceral da época.

Ao lado dos roteiristas Carl Joos e Jeroen Olyslaegers, Mielants constrói uma narrativa que não se limita a registrar os fatos históricos, mas também questiona as escolhas individuais dentro de um sistema de brutalidade institucionalizada. Apesar de a função primordial da polícia comum não ser replicar os atos dos agentes mais letais do regime, a pressão e a doutrinação acabam corroendo a resistência moral de muitos, incluindo Wils. Ainda assim, ele encontra brechas para, ocasionalmente, arquitetar saídas para aqueles que deveria capturar.

A trama ganha densidade ao apresentar Chaim Litzke, interpretado por Pierre Bokma, um judeu abastado que vive com sua esposa e filha pequena em um mundo cada vez mais restrito e ameaçador. Quando Wils e seu colega, Lode Metdepenningen, batem à porta da família durante uma patrulha noturna, o suspense atinge seu auge. O medo que domina o ambiente transborda em uma explosão de violência inesperada, revelando os limites da racionalidade em um contexto de desespero e opressão. As consequências desse momento moldam o restante do filme, expondo as contradições e os conflitos internos do protagonista.

Mielants, conhecido por seu trabalho na série “Peaky Blinders” (2013-2022), traz para “Caminhos da Sobrevivência” uma direção precisa, capaz de equilibrar a intensidade emocional com a progressão rítmica da narrativa. Stef Aerts e Matteo Simoni, que dão vida aos protagonistas, entregam performances impactantes, conferindo profundidade a personagens cuja complexidade reflete os dilemas morais de um tempo em que a humanidade parecia perdida.

Diferentemente de outras produções ambientadas no período, “Caminhos da Sobrevivência” evita clichês e abordagens convencionais, recusando-se a ser mais uma história sobre o nazismo. Em vez disso, o filme examina as zonas cinzentas da conduta humana, recusando respostas fáceis ou resoluções confortáveis. A violência é apresentada não apenas como um ato, mas como uma ideologia que contamina tudo ao redor, enquanto a esperança surge de forma frágil, mas persistente, nos pequenos atos de resistência e empatia.

“Caminhos da Sobrevivência” não é apenas um retrato histórico, mas uma reflexão profunda sobre as escolhas humanas diante da barbárie. Mielants entrega um filme que desafia o espectador a confrontar tanto o passado quanto as implicações morais que ecoam no presente, provando que mesmo nos momentos mais sombrios, a complexidade da condição humana permanece como um tema inesgotável para o cinema.

Filme: Caminhos da Sobrevivência
Diretor: Tim Mielants
Ano: 2024
Gênero: Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★