Quer seus detratores admitam-no ou não, Tyler Perry vem fazendo uma carreira notável em Hollywood. É verdade que o homem que encarna sucessos como os dos filmes da série “Madea” (2005-2022) curiosamente é mais conhecido por trabalhos como “Não Olhe para Cima” (2021), a comédia escatológica de cirúrgico pessimismo dirigida por Adam McKay, quando aparece de cara limpa, mas Perry, sem dúvida um dos talentos mais diversos que o cinema tem hoje, também sabe falar sério, isto é, sabe tirar proveito das situações mais infaustas, e se elas tiverem o lastro da História, tanto melhor.
É o que se assiste em “Batalhão 6888”, com o qual o diretor continua a falar de mulheres negras e sua luta por visibilidade e ascensão social. Perry e o corroteirista Kevin Hymel entram num capítulo bastante peculiar da validação dos direitos civis dos cidadãos afro-americanos, transcorrido no palco sangrento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ambicioso, Perry entra em muitos temas complexos de uma vez, sem, no entanto, esgotá-los, deixando que o espectador tire suas próprias conclusões.
A major Charity Adams Earley (1918-2002) lidera o 6888º Batalhão do Diretório Postal Central atropelando a misoginia e do racismo velado (ou nem tanto), testemunhas muito próximas da ofensiva alemã que devastava o globo. As oficiais e praças sob o comando de Charity nunca encurralaram Hitler ou avançaram contra suas tropas, mas nem por isso podem ficar de fora dos registros acerca das estratégias do governo americano quanto a debelar o nazismo.
Todas as correspondências para os soldados americanos, em combate diuturno na Europa, passavam pelas mãos do 6888, o que, claro, influiu diretamente no moral dos homens, muitos deles caipiras brancos que jamais tinham atentado para a invisibilidade daquelas moças, que continuaram menosprezadas pelos oficiais brancos. Paulatinamente, são acrescentados à narrativa outros personagens reais, como a primeira-dama Eleanor Roosevelt (1884-1962) e a ativista dos direitos civis Mary McLeod Bethune (1875-1955), interpretadas por Susan Sarandon e Oprah Winfrey, mas o este parece ser o show de uma estrela só.
Na pele de Charity, Kerry Washington concentra o trio de negras poderosas de “Estrelas Além do Tempo” (2016), de Theodore Melfi, sem que falte espaço para suas interações com a capitã Campbell de Milauna Jackson ou Lena Derriecott King, a colega com quem a major reclama da má vontade e da desconfiança do general Halt, responsável pela interdição de mais de 57 mil cartas, porém atento a qualquer movimentação de Charity e suas subordinadas, endereçando aopresidente Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) telegramas nos quais comunicava sobre o progresso ou a inapetência da comandante. O respiro cômico da desbocada Johnnie Mae, na interpretação precisa de Shanice Williams, e seus comentários sobre a inadequação do uniforme para as curvas que ostenta são mais evidência do pouco caso com aquelas bravas damas, prontas para enfrentar o inimigo da forma como sabiam melhor: unindo garra e sensibilidade.
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