Adeus ao generoso poeta

Adeus ao generoso poeta

Durante toda minha infância, ouvi histórias do primo Gilberto. Meu pai falava de sua biblioteca, de sua vida no Rio de Janeiro, de sua imensa capacidade de trabalho, de sua generosidade. Invariavelmente, ele me contava a vez em que, vencendo a timidez, enviou-lhe uns versinhos de sua autoria e recebeu, em retorno, uma detida, longa e carinhosa análise. Talvez mais generosa que criteriosa. O poeta deixaria o que estivesse fazendo, por mais importante ou trabalhoso que fosse, para analisar com atenção os parcos e amadores rabiscos dos parentes de Goiânia. Eu, menino ainda, nem pensava em me dedicar à palavra escrita, mas já sentia sobre mim a influência benfazeja de Gilberto Mendonça Teles.

Demorou, e foi bastante, mas um dia me encontrei na mesma posição de meu pai. Já picado pela doença da literatura, enfermo por essa maleita sem cura que de uma vez nos turva a cabeça e apura o coração, eu ensaiava formas de contatar o poeta. Lia e relia a edição embolorada de “Poemas Reunidos de Gilberto Mendonça Teles”, lançada em 1978 pela Livraria José Olympio Editora, e que estava há anos nas estantes da casa dos meus pais. Na primeira página, a dedicatória vinha em letra sofrível, quase ilegível: “Ao José Eduardo M. Umbelino…”. Tenho o mesmo nome de meu pai; portanto sentia, talvez com alguma injustiça, que aqueles poemas foram dedicados também a mim. Em 2009, aos 22 anos, arrisquei meu primeiro contato com o parente célebre. O e-mail enviado era cheio de salamaleques e frescurinhas. Começava assim:

Olá Gilberto, tudo bem?

Com muita alegria e com alguma timidez escrevo esse e-mail. Sei que o senhor tem muitos afazeres e por isso fico ainda mais grato pela atenção. Prometo não tomar muito de seu tempo!

Meu pai sempre me falou dos “primos escritores”, assim como minha tia Tereza e minha avó Dulce.

Desde algum tempo venho ensaiando um contato com o senhor e com o Zé Mendonça, mas sempre empaco nas minhas próprias dificuldades e limitações! Entretanto, não podia perder mais uma oportunidade. Agora me formo em Jornalismo pela UFG e tenho muitas dúvidas sobre como haverá de ser daqui para frente.

A mensagem segue, longa, pueril e um tanto presunçosa, como deve ser qualquer mensagem de um rapazote de 22 anos querendo impressionar e pedir favores aos mais velhos. Já a resposta, por sua vez, veio curta e grossa: mande os malditos poemas! Mandei. Pouco tempo depois, era convidado a me encontrar pessoalmente com o poeta.

Umbelino e Gilberto

Desde aquele primeiro contato, eu e Gilberto nos encontramos várias vezes. As entrevistas eram sempre em saguões de hotéis da cidade, no Centro e no Setor Sul. Ele descia de bermuda e chinelos, o abraço carinhoso e o riso pequenino por cima da covinha no queixo (marca da família que eu herdei e escondo com barba), e vinha com meus textos impressos, todos rabiscados, cheios de sugestões e elogios. Talvez mais generosos que criteriosos. A letra era horrível, mas as explanações eram claríssimas, límpidas. Ele me chamava de primo, e até hoje acredito que via, na verdade, meu pai em mim. Estava sempre cheio de projetos, trabalhos, pesquisas. Nunca parou, produzia efusivamente e, ainda assim, dispunha de tardes largas, calmas, para sentar ao lado do primo e orientar: “Você precisa estudar métrica. Precisa saber métrica para fazer poesia”; “Leia os clássicos. Leia os gregos”; “Esse seu poeminha aqui, veja só, termina mal. Começa bem, termina mal”; “Cuidado com as namoradas! Elas tiram o foco!”

Hoje sei que a generosidade do poeta não era exclusiva aos parentes. Gilberto Mendonça Teles foi um incentivador incansável, espontâneo e natural de todos que, como ele, sonharam um dia em vencer os limites da província e se destacar na ingrata arte da escrita. Ele conseguiu e acreditou sempre que, como ele, qualquer um de nós também poderia. Neste dezembro nublado e tristonho em que ele nos deixa, fica aqui registrada a gratidão eterna de pelo menos uma vida tocada por sua generosidade e por seu trabalho. Adeus, primo. E obrigado.