Os moradores de Altos de la Cascada, um condomínio luxuoso nos arredores de Buenos Aires, desfrutam de uma rotina inabalável de conforto e ostentação. Cercados por jardins exuberantes, piscinas aquecidas e sistemas de segurança onipresentes, vivem alheios às preocupações que afligem o restante da sociedade. Esse paraíso, no entanto, é abalado por um evento inusitado: três corpos são encontrados flutuando na piscina de uma das mansões. O escândalo, embora impactante, não chega a interromper completamente o cotidiano hedonista dessa elite, que persiste em sua busca pelo prazer e pela manutenção das aparências. Com o desenrolar das investigações, no entanto, torna-se impossível ignorar os indícios de que as mortes não são fruto do acaso. Caso essa hipótese se confirme, o microcosmo glamouroso pode ser tragado por uma espiral de degradação moral e desvalorização financeira — um golpe especialmente cruel em tempos de crise no mercado imobiliário, quando a necessidade força concessões humilhantes e transforma luxo em liquidação.
O thriller “Viúvas Sempre às Quintas”, dirigido pelo argentino Marcelo Piñeyro, utiliza o mistério como ferramenta para desvelar as hipocrisias e fragilidades das elites de seu país. Desde sua estreia, em 2009, a obra continua a ressoar com uma atualidade inquietante, revelando como a opulência muitas vezes mascara fissuras profundas. Baseado no romance “As Viúvas das Quintas-feiras” (2005), de Claudia Piñeiro — publicado no Brasil pela editora Alfaguara —, o filme destaca um traço marcante do cinema argentino: a habilidade de abordar questões locais de maneira universal, entrelaçando dramas pessoais e dilemas sociopolíticos.
Essa abordagem serve como um lembrete oportuno do potencial do cinema sul-americano, que poderia encontrar em obras como essa uma fonte de inspiração. Visionário, o filme de Piñeyro antecipa, com sutileza, os sinais de tormentas que se avizinhavam no horizonte argentino, ecoando as crises econômicas que já assolavam o país desde o colapso de 2001. Durante o período de produção, enquanto as elites davam sinais de esgotamento, o Congresso argentino promulgava a Lei 26.571, destinada a promover maior transparência e equidade no sistema político — uma tentativa de mitigar as falhas institucionais que perpetuavam o atraso.
O roteiro, escrito por Piñeyro em parceria com a autora do romance original e com Marcelo Figueras, revisita o imaginário clássico de Billy Wilder em “Crepúsculo dos Deuses” (1950) para explorar a dinâmica de três casais de classe média alta. O gerente corporativo Tano, interpretado por Pablo Echarri, e sua esposa Teresa (Ana Celentano) ocupam o centro da narrativa. Ao seu redor, orbitam Ronnie (Leonardo Sbaraglia), um bon vivant sustentado por sua esposa, Mavy (Gabriela Toscano), uma corretora de imóveis de luxo; Martín (Ernesto Alterio) e Lala (Gloria Carrá), cuja incompatibilidade é tão evidente quanto insuperável; e Gustavo (Juan Diego Botto) e Carla (Juana Viale), recém-chegados ao condomínio em busca de uma vida mais emocionante, apenas para amplificar as tensões latentes de seu relacionamento.
Piñeyro constrói cada personagem e relacionamento com meticulosidade, revelando as tensões que permeiam o casamento e as fragilidades que definem os indivíduos. Adultérios, desejos reprimidos, demissões escondidas e traições — cada elemento contribui para um retrato minucioso das fraquezas humanas. A trama avança com uma serenidade calculada até atingir seu clímax, quando o verdadeiro foco da narrativa emerge: uma crítica contundente à hipocrisia e aos vícios de uma elite que, entre complexos e futilidades, tenta perpetuar sua aparência de perfeição. Atemporal, “Viúvas Sempre às Quintas” expõe, com maestria, as feridas de uma classe que se recusa a aprender com seus erros. Seja na Argentina ou em qualquer outro lugar, a decadência dos privilegiados permanece uma história universal — e tristemente recorrente.
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