O conceito de morte ressoa com o de vida, não como seu mero oposto ou complemento direto, mas sim como uma fusão complexa que carrega uma natureza singular. Morrer é a inescapável certeza de nossa existência, o destino que a todos aguarda, e que nos recorda que as crueldades e desumanidades deste mundo — a ignorância, a intolerância, a violência, o prazer em glorificar atitudes claramente reprováveis — são todas manifestações efêmeras, destinadas a perecer junto ao corpo, ou até antes disso.
Pois, ao confrontar a última fronteira, o ser humano encontra-se nu, sem disfarces, sem desvios, encarando-se de forma honesta em um ajuste de contas consigo mesmo, tão verdadeiro quanto possível. Ao longo de uma vida, o homem experimenta incontáveis empreitadas que o esgotam, seja pela imprudência própria ou por se deixar levar por tentações que o cercam, algumas trazidas por conhecidos, outras por estranhos. Mesmo antes de se dar conta de um erro qualquer, ainda que trivial, o espírito já começa a se sentir envolto em uma melancolia inescapável, que a morte inevitavelmente acentua — um sentimento que demanda resolução íntima.
A morte, além de carregar um sofrimento de intensidade variável, conforme o contexto, sempre vem seguida de transformações. A perda física de alguém querido desencadeia um processo de descobertas que afetam, sobretudo, os que ficaram e enfrentam o desafio de assimilar as novas revelações. Enquanto alguns descobrem uma força interior antes desconhecida, outros se veem dominados por uma fragilidade que se alastra dia após dia, uma apatia que invade cada aspecto de sua existência.
Essa dor acumulada, em certo ponto, transforma-se em uma força oposta, um impulso que leva à mudança, seja para algo melhor ou pior. Antoine Fuqua, diretor conhecido por narrativas sobre figuras duras, até um pouco marginais, compelidas a enfrentar momentos críticos, retoma essa abordagem em “Nocaute” (2015). Nesta obra, ele nos apresenta um protagonista acostumado com o triunfo que, após perder o que lhe é mais precioso, encontra a necessidade de reagir.
O universo do boxe é revelado aos poucos no roteiro de Kurt Sutter, criador de “Filhos da Anarquia” (2008-2014), série americana de grande sucesso, também carregada de temas complexos. Fuqua aproveita com precisão as sutilezas do texto de Sutter, algo que se percebe já na cena inicial. Billy Hope, boxeador renomado interpretado por Jake Gyllenhaal, está com a mão esquerda enfaixada, pronto para outra luta, fazendo alusão ao título original do filme, “Southpaw” (“canhoto”, em tradução livre), nome que não pôde ser mantido na versão em português.
Nessa primeira luta, Hope sai vencedor, observado de perto por sua esposa, Maureen, interpretada por Rachel McAdams, e pelo empresário Jordan Mains, vivido com segurança contida pelo rapper 50 Cent. A direção de Fuqua revela certa pressa em lançar seu protagonista no abismo da tragédia e da consequente instabilidade emocional, mas sem explicar a fundo o temperamento que Billy assume ao lidar com o luto e as perdas. Ainda assim, Gyllenhaal encarna com veracidade a angústia do personagem, especialmente quando é obrigado a enfrentar a separação forçada da filha, Leila, interpretada de forma surpreendentemente madura por Oona Laurence.
O arco de redenção de Billy Hope toma forma apenas nos momentos finais, quando ele sobe ao ringue para enfrentar Miguel Escobar, interpretado por Miguel Gomez, com quem tem uma história marcada por conflitos e ressentimentos. Hope, agora um lutador solitário em busca de algo que reacenda sua fé na vida, representa o arquétipo do atleta que luta por mais do que apenas a vitória — ele quer resgatar uma dignidade perdida, recuperar a esperança.
“Nocaute”, nesse sentido, não é apenas um filme de boxe, mas uma narrativa sobre como as quedas e falhas podem redefinir um homem. O filme, com sua visão desprovida de ornamentos, torna-se um dos retratos mais diretos e secos sobre o mundo do boxe e seus personagens, destacando a jornada amarga e visceral desses atletas, muitas vezes esquecidos ou incompreendidos.
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