Entre os 5 filmes mais assistidos da história da Netflix, suspense foi visto por 143 milhões de assinantes Divulgação / Netflix

Entre os 5 filmes mais assistidos da história da Netflix, suspense foi visto por 143 milhões de assinantes

No trabalho de Sam Esmail, encontramos um retrato sombrio da sociedade contemporânea, onde “O Mundo Depois de Nós” lança luz sobre questões que, em crescente frequência, ganham espaço nas telas. Nesta adaptação do romance de Rumaan Alam, Esmail explora um terreno de autodestruição humana, trazendo à superfície uma abordagem que tangencia temas reais e incômodos como o racismo, apresentado como uma ferida profunda e aberta, da qual, ao contrário do que seria esperado, a sociedade não parece disposta a se desvencilhar. Em vez de adotar uma perspectiva que tente suavizar esses elementos, Esmail aposta numa interpretação incisiva e quase provocativa, permitindo que a crítica afiada de Alam reverbere com intensidade. O resultado é uma obra que não apenas questiona, mas também incomoda e desafia.

Amanda Sandford é o ponto de partida deste retrato niilista. Sua introdução, aparentemente inofensiva, esconde uma profunda insatisfação com a vida num luxuoso apartamento no Brooklyn, um ambiente opulento que parece ser apenas uma camada superficial para os problemas que ela enfrenta internamente. Em um momento crucial, Amanda, interpretada por Julia Roberts, exprime seu desprezo pela rotina e pelo esforço de transformação pessoal que os outros assumem diariamente. Roberts, em uma atuação que permeia os 138 minutos de forma quase hipnótica, imprime um olhar vago, como se, desde o início, previsse o desenlace do enredo guiado por Esmail.

A cinematografia de Tod Campbell estabelece uma atmosfera tensa, mantendo uma distância do grotesco sem perder a densidade necessária. Em uma sequência marcante, Amanda anuncia ao marido, Clay, que alugou uma mansão em Long Island, onde o casal e seus filhos, Rose e Archie, passarão o fim de semana. Nesse momento, torna-se evidente que a personagem de Roberts não se encontra em plena estabilidade mental, e, diante da passividade de Clay, interpretado por Ethan Hawke, é ela quem dita as regras. A caracterização de Amanda revela uma figura decidida a ignorar qualquer sinal de alerta, mesmo os que brotam em torno de sua própria família.

Já instalados na mansão, um incidente externo aumenta a sensação de calamidade iminente: um navio de carga afunda no horizonte. Esse evento segue uma série de acontecimentos misteriosos, como a queda da internet, e gradualmente, Esmail transforma o enredo num jogo cataclísmico de suposições, alimentando-se do crescente fascínio das teorias conspiratórias. Quando a noite chega, um homem negro e sua filha surgem à porta, afirmando serem os verdadeiros donos da propriedade. Com Nova York em meio a um apagão e as autoridades incapazes de restaurar a ordem, o homem, G.H. Scott (interpretado por Mahershala Ali), permanece calmo diante das desconfianças de Amanda, que se recusa a acreditar que alguém como ele possa possuir a mansão.

Roberts e Ali formam uma dupla notável, com Amanda relutante em se entregar ao diálogo e aliando-se aos seus preconceitos mais profundos para proteger a família. Ruth, a filha de Scott, interpretada por Myha’la, espelha a dignidade do pai, mas revela sua força em momentos estratégicos, confrontando os preconceitos da protagonista. Esmail conduz o desfecho num tom irônico, evocando produções como “Não Olhe para Cima” e “Corra!”, onde, ao fim, a humanidade revela um lado miserável e, ao mesmo tempo, tragicamente cômico. Aqui, as máscaras caem e o que resta é um retrato da sociedade mais cruel, encarando, finalmente, seu próprio colapso moral.


Filme: O Mundo Depois de Nós
Direção: Sam Esmail
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10