O filme “Pieces of a Woman”, dirigido pelo húngaro Kornél Mundruczó, estreia no mercado de língua inglesa com uma proposta narrativa que se destaca pelo uso de um plano-sequência meticulosamente elaborado. A abordagem do diretor, através de diálogos intensos e minuciosamente planejados, é um reflexo da complexidade emocional e da profundidade temática da trama. A narrativa se desenrola em um único e contínuo fluxo de acontecimentos, principalmente nos primeiros 25 minutos, revelando de maneira direta e impactante os momentos mais cruciais e íntimos da vida de um casal.
O plano-sequência, uma técnica que permite ao espectador uma imersão quase total na cena, tem sido redescoberto e reaproveitado no cinema contemporâneo. Filmes das décadas de 1970 e 1980, como “Uma Mulher Sob Influência” (1974), de John Cassavetes, e “Hannah e Suas Irmãs” (1986), de Woody Allen, usaram essa técnica para criar uma sensação de proximidade e intensidade emocional com o público. Esses filmes, com suas cenas carregadas de diálogos crudos e uma sensação de caos aparente, colocam o espectador no centro de uma espiral emocional, semelhante aos efeitos visuais em animações. Mundruczó se insere nessa tradição ao usar a câmera para capturar a vida dos personagens de uma maneira que desafia e envolve o público.
Em “Pieces of a Woman”, acompanhamos os momentos mais críticos da vida de Martha Weiss, interpretada com uma intensidade notável por Vanessa Kirby, e seu marido Sean, vivido por Shia LaBeouf. O cenário inicial é o parto domiciliar de sua filha, Yvette, assistido por uma parteira substituta, Eva, interpretada por Molly Parker. A cena é um turbilhão de emoções e dor, com a protagonista enfrentando o processo de parto e o impacto emocional dessa experiência. A sequência é um exemplo brilhante da habilidade de Mundruczó em capturar a crueza e a vulnerabilidade humana. Martha, imersa na dor e no sofrimento, faz comentários desconexos e expressa sua angústia de maneira visceral.
A situação rapidamente se torna trágica quando o bebê, ao nascer, é identificado como morto. Este evento devastador não só marca um ponto de ruptura na vida de Martha e Sean, mas também no relacionamento entre eles. Martha enfrenta a dor da perda e a pressão da desaprovação de sua mãe, Elizabeth, interpretada por Ellen Burstyn, cuja figura se revela como um símbolo de severidade e opressão. Elizabeth, com seu passado traumático e seu desprezo pelo insucesso do parto, exacerba a tensão e o conflito entre mãe e filha, destacando a falta de solidariedade e compreensão em meio ao sofrimento.
A complexidade emocional do filme é ampliada pelo confronto de Martha com sua família, e a interação com Elizabeth, que representa uma carga emocional adicional. O drama familiar se aprofunda com a presença de Suzanne, a prima advogada de Sean, interpretada por Sarah Snook, e a sua sedução subsequente. Martha, lutando entre a dor e o desejo de encontrar um propósito, experimenta uma transformação emocional e psicológica profunda.
Mundruczó utiliza a metáfora da maçã para ilustrar a jornada de Martha. A maçã, com suas conotações de tentação e busca por sabedoria, é apresentada de forma lírica como um símbolo da busca por renovação e cura. A protagonista, após enfrentar o inferno da perda, encontra uma forma de redenção e renascimento através da jardinagem e cultivo de árvores frutíferas. Essa metáfora é uma alegoria para a resiliência de Martha, que, apesar de sua tragédia, busca reconstruir sua vida e encontrar beleza na dor e na perda.
A sequência final do filme oferece um retrato poderoso e comovente da jornada de Martha. Sua transformação e resiliência diante da adversidade são apresentadas com uma profundidade emocional que captura a essência de sua experiência. “Pieces of a Woman” se destaca como uma narrativa épica sobre a dor, a perda e a capacidade de recuperação, refletindo a complexidade da condição humana e a eterna busca por significado e beleza, mesmo nos momentos mais sombrios.
Filme: Pieces of a Woman
Direção: Kornél Mundruczó
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 10